Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Há uns tempos perguntei ao Ciberdúvidas a etimologia da palavra Alvoco. Recebi resposta em 24/01/2002 com a definição dada no Dicionário Onomástico, de José Pedro Machado.

Em Agosto encontrei no Google Books o livro Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa, de Adalberto Alves, onde o autor inclui Alvoco como tendo origem árabe.

A origem latina da palavra faz-me sentido, tanto mais que Alvoco é um afluente do Alva e nascem na mesma serra da Estrela. Por outro lado, surge e percorre uma região que foi fronteira durante um longo período entre mouros e cristãos.

Venho pedir a vossa ajuda para esclarecer qual a verdadeira origem da palavra.

Obrigada.

Resposta:

Em toponímia, nem sempre é fácil afirmar que a verdadeira origem de um nome é esta ou aquela. Trabalha-se muitas vezes com hipóteses, quando não há documentação que indique com clareza a história da palavra, como acontece neste caso.

A sequência al- da forma Alvoco sugere origem árabe, hipótese que se conjuga com a história da região, até aos séculos XI-XII na fronteira política entre reinos cristãos, nos quais predominavam os dialetos romances, e reinos muçulmanos, onde predominava a língua árabe. Contudo, a configuração do nome em questão não permite identificar com segurança a palavra árabe donde poderia provir, o que leva a supor que pode ser outra a sua origem. E, com efeito, não é de excluir outra etimologia, quando se sabe que há topónimos começados por al- sem origem árabe: Albergaria, Alvarães, possivelmente Alvito.

Sendo assim, deve ter-se em atenção que o Alvoco, sendo afluente do Alva, apresenta a terminação -oco, homófona do sufixo -oco, com o qual se formam, entre outros derivados, diminutivos de valor despetivo (cf. bicharoco, passaroco). Este aspeto é relevante, porque se identificam frequentemente afluentes cujos nomes são antigos derivados com base nos nomes de rios principais, às vezes com valor de diminutivo, outras com valor afetivo: Ave > Vizela (por *Avizela ou pela forma latina Avicella); Águeda > Agadão (neste caso, o sufixo -ão revestir-se-ia de valor afetivo).

Observe-se que, sem contestar o mérito que possa ter, o Dicionário de Arabismos da Língua Portuguesa,

Pergunta:

Permitam-me apenas um leve reparo [a propósito da resposta n.º 27 256]:

O p de Egipto sempre se pronunciou e pronuncia. Dou até um exemplo prático: no caso da  liturgia não passa pela cabeça de ninguém pronunciar a palavra «Egito». Só de caso pensado...

 

P.S. – Haverá um número reduzido de intelectuais que omite o p de Egipto? Acredito que sim.

Resposta:

É preciso distinguir grafia de pronúncia, e, historicamente, até há algumas décadas, a pronúncia consagrada de Egipto – única grafia aceite antes da aplicação do Acordo Ortográfico de 1990 – era "Egito", com p mudo, ou, melhor, sem o segmento fónico [p], apesar de se dizer egípcio, com [p].

Sabe-se que era assim (e ainda é entre muitos falantes), porque na Base VI do Acordo Ortográfico de 1945 (AO 45) se inclui a grafia Egipto entre os muitos casos em que o p, embora  mudo, se mantinha para os harmonizar com formas afins – o exemplo mais acessível será egípcio, que tem p pronunciado.

Cito a Base VI do AO 45, sublinhando a referência à grafia Egipto:

«VI O c gutural das sequências interiores cc (segundo c sibilante), e ct, e o p das sequências interiores pc (e sibilante), e pt, ora se eliminam, ora se conservam. Assim:

[...] 4.° Conservam-se quando, sendo embora mudos, ocorrem em formas que devem harmonizar-se graficamente com formas afins em que um e ou um p se mantêm, de acordo com um dos dois números anteriores, ou em que essas consoantes estão contidas, respectivamente, num x ou numa sequência ps. Escreve-se, por isso: abjecto, como abjecção; abstracto, como abstracção; acta e acto, como acção ou activo; ...

Pergunta:

Gostaria que me confirmassem que a seguinte frase está errada, a saber:

«Também isto são a história, o património e a identidade cascalenses!»

Neste caso não é «são», mas, sim, «é», não é? Mesmo que faça alguma confusão, pois são três conceitos que estão em causa.

Obrigada.

Resposta:

Na frase em questão, recomendo o singular.

Em frases em que ocorra o verbo ser (frases copulativas), cujo sujeito seja um demonstrativo (isto) e o predicativo do sujeito um plural, o verbo concorda preferencialmente com o predicativo, como se observa em 1:

1. «Isto são os aspetos mais importantes de Cascais.»

No entanto, se o predicativo for composto, isto é, se nele estiverem coordenadas várias expressões nominais, como acontece na frase em causa, parece legítimo usar o singular:

2. «Também isto é a história, o património e a identidade cascalenses.»

O singular é possível, apesar de o predicativo ser composto e, portanto, equivaler a um plural.

Note-se que, em frases em que ocorre o verbo ser, há sujeitos complexos que não exigem o plural (ver Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, Edições João Sá da Costa, págs. 505/506), porque constituem uma enumeração gradativa ou porque são «interpretados como se constituíssem em conjunto uma qualidade, uma atitude» (ibidem); por exemplo (ibidem; manteve-se a ortografia original):

3. «A mesma coisa, o mesmo acto, a mesma palavra provocava ora risadas, ora castigos» (Monteiro Lobato, Negrinha, 3.ª ed., São Paulo, Brasiliense, 1951, p. 4).

4. «A grandeza e a significação das coisas resulta do grau de transcendência que encerram» (Miguel Torga, Traço de União, Coimbra, 1955, p. 63).

No caso em questão, convergem, portanto, tendências diferentes (as oscilações na concordância do verbo ser e...

Pergunta:

Gostaria de saber se esta frase é correta. Encontrei-a num livro brasileiro:

«Um índio decidiu ajudar os novos vizinhos e lhes ensinou a cultivar abóboras e milho...»

Suponho que usam lhes porque é ensinar alguma coisa a alguém, mas, por outro lado, é «ensinar alguém (sem preposição) a fazer alguma coisa». Então a frase não deveria ser «Um índio decidiu ajudar os novos vizinhos e ensinou-os a cultivar abóboras e milho...»?

Obrigado pela sua resposta.

Resposta:

Aceita-se «e lhes ensinou a cultivar abóboras».

Acerca do uso de ensinar com infinitivo, Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 519) observam o seguinte (manteve-se a ortografia original):

«Quando a "coisa" ensinada vem expressa por um infinitivo precedido da preposição "a", a língua actual oferece-nos dois tipos de construção:

a) ensinar-lhe a + infinitivo

b) ensiná-lo a + infinitivo

Comparem-se estes dois exemplos:

Em vão ensinara-lhe a proteger os animais das pragas e dos vendavais.
(Nélida Piñón, CC, 52)

Tinha de o convencer, de o ensinar a ver claro.
(Urbano Tavares Rodrigues, PC, 154)»

Pergunta:

Existe a palavra laborativo?

Resposta:

O Dicionário Priberam regista laborativo como o mesmo que laboral. Também o Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (São Paulo, Editora UNESP, 2004) acolhe laborativo, como adjetivo que significa «de trabalho» e atestado pela seguinte abonação: «O acidente resultou em diminuição da capacidade laborativa.»