Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Teriam a gentileza de dizer-me quando o estrangeirismo rastafari foi aportuguesado?

Grato pela resposta de antemão.

Resposta:

Entre as obras consultadas, apenas o Dicionário Houaiss apresenta datação para a palavra em apreço, indicando o ano de 1955 sem identificar fonte. Quanto à grafia da palavra, tal como o Dicionário da Língua Portuguesa, da Infopédia, e o Dicionário Priberam da Língua Portuguesa, o Dicionário Houaiss escreve rastafári, adaptação de rastafari, que tem origem num nome próprio: «[do] antr[opónimo] ras, "cabeça, chefe", Tafari (Tafari Makonnen, 1892-1975), coroado imperador da Etiópia (1930-1974) sob o nome de Haïlé Selassié». O vocábulo tem várias aceções, conforme se regista no Dicionário Houaiss: como termo de religião, «seguidor do rastafarianismo» e «relativo a ou próprio dessa seita ou dos seus seguidores»; em relação à música, «músico ou adepto do reggae1»; em relação a maneiras de vestir ou apresentar-se, «diz-se do cabelo longo característico dos rastafáris, arranjado em mechas enroladas e separadas, às quais se aplica banha ou cera» e, no Brasil, «diz-se do cabelo dividido em mechas trançadas a partir da raiz, às vezes entremeadas de linhas ou contas coloridas».

Apesar da datação precoce que é proposta pelo Dicionário Houaiss para a entrada de rastáfari no português, é plausível que a palavra só se tenha tornado mais frequente no final dos anos 70 do século passado, quando a música reggae e o rastafarianismo eram moda.

1 Reggae: «

Pergunta:

Há regras ortográficas para saber se um o é aberto ou fechado? Por exemplo, se o o vai seguido de umas consoantes específicas, é aberto, ou fechado? Ou, pelo contrário, é preciso saber o caso particular de cada palavra?

Muito obrigado.

Resposta:

Só é possível saber se as vogais e e o são abertas ou fechadas, quando a palavra em que uma ou outra ocorrem tem acento gráfico. Exemplos:

(1) pôde, avô (o fechado); crónica*, avó (o aberto)

(2) (e fechado);  (e aberto)

Em palavras sem acento, geralmente paroxítonas, não há maneira gráfica de indicar essa diferença e temos de saber qual é a pronúncia da palavra:

(3) molho (= espanhol salsa) – o fechado vs. molho (= feixe) – o aberto

(4) meta (= 3.ª pessoa do singular do presente do conjuntivo de meter) – e fechado vs. meta (= objetivo) – e aberto

Geralmente, os dicionários assinalam estas diferenças com indicações suplementares sobre pronúncia (caso do Dicionário Houaiss) ou com transcrição fonética (cf. dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

* No português de Portugal.

Pergunta:

Gostaria de ver esclarecida uma dúvida sobre a presença dos complementos indireto e oblíquo.

Na frase «Fiz um desenho para a Lúcia», o constituinte «para a Lúcia» desempenha a função de complemento oblíquo, ou de complemento indireto?

Não está correta a substituição «Fiz-lhe um desenho»? O complemento indireto é sempre introduzido pela preposição a? A preposição para não pode introduzir esta função?

Obrigada pela vossa disponibilidade.

Resposta:

O constituinte «para a Lúcia» é um complemento oblíquo que marca o beneficiário da ação.

Não é consensual a análise dos grupos preposicionais introduzidos por para, que marcam o beneficiário de uma ação. No entanto,  a consulta da Gramática do Português (Fundação Calouste Gulbenkian, 2013, p. 1176-1180) permite apurar que:

– o grupo preposicional introduzido por para não tem o mesmo comportamento sintático e nem sempre tem a mesma interpretação que o grupo preposicional introduzido por a (substituição por lhe; além do valor semântico de beneficiário, também pode ter associados os de origem – «ele comprou um carro [ao vizinho] para o filho» – e destinatário – «ele entregou os documentos [ao contínuo] para a professora»);

– a preposição para introduz um complemento oblíquo com o valor de beneficiário (papel temático), porque é argumento verbal, embora este não seja de realização obrigatória, conforme explica a GP (p. 1176):

«Tal como os complemento indiretos com o papel temático de origem ou de destinatário, os sintagmas preposicionais com o papel temático de beneficiário são argumentos opcionais dos verbos com os quais ocorrem, podendo ser omitidos sem prejuízo da gramaticalidade das frases. Nesse caso, a interpretação mais natural é aquela em que o beneficiário é semanticamente indefinido (alguém), podendo, em certos casos, corresponder ao sujeito da oração (como em o Pedro construiu uma casa, frase da qual se infere, num contexto neutro, que a casa é para benefício do próprio Pedro).»

Assim, esta passagem permite perceber que o complemento oblíquo em questão pod...

Pergunta:

Gostaria que me ajudassem a agrupar em subclasses as respetivas locuções adverbiais:

a cada passo; à toa; às direitas; com certeza; de mais; de novo; de vez em quando; em breve; em silêncio; no entanto; por conseguinte; sem dúvida; a custo; ao acaso; às vezes; com efeito; de mais a mais; de repente; em cima; em vão; passo a passo; por consequência; a sós; ao contrário; de menos; de resto; em geral; por acaso; por isso.

Muito agradecido.

Resposta:


Sugerimos a seguinte classificação, com apoio na que é feita em relação aos advérbios no Dicionário Terminológico. As locuções estão distribuídas pelas subclasses de advérbios constante no DT, mas é passível de revisão, porque algumas podem ser ambíguas:

Locuções adverbiais de predicado

Valor de modo: «à toa»; «às direitas»; «em silêncio»; «a custo»; «ao acaso»; «de repente» (pode ser também conectivo em contexto narrativo); «a sós»; «ao contrário»; «por acaso»; «em vão»;

Valor temporal: «de novo»; «de vez em quando»; «em breve»; «a cada passo»; «passo a passo»; «às vezes»;

Valor locativo: «em cima».

Locuções adverbiais de frase: «com certeza»; «sem dúvida»; «em geral».

Locuções adverbiais de quantidade e grau: «de mais»; «de menos».

Locuções adverbiais conectivas: «no entanto»; «por conseguinte»; «com efeito»; «de mais a mais»; «por consequência»; «por isso»; «de resto».

Pergunta:

Venho, por este meio, pedir que me esclareçam, se possível, o seguinte:

Estava eu numa discussão saudável, com um grupo de amigos, partilhando conhecimentos, troca de ideias, argumentando e debatendo assuntos, quando um dos amigos proferiu a seguinte frase:

«... nessa altura, já era vivo...»

Pessoalmente não concordo com a construção da frase. Será que estou certa?

Foi tema para mais um dos nossos debates, sem chegarmos a acordo.

Tenho consultado vários sites, sem sucesso.

Por favor não ignorem este meu pedido!

Ajudem-me a chegar ao português correto!

Agradeço desde já.

Resposta:

A frase a que se refere usa-se apenas de modo jocoso, em alternativa à expressão «quando já era nascido»:

«Mas isso foi há muitos anos, na idade do fogareiro e do candeeiro de chaminé, e nessa altura ainda ele não era nascido» (José Cardoso Pires, A República dos Corvos, 1999, in Corpus do Português).

Note-se que, apesar de nascer ser um verbo intransitivo e não admitir voz passiva, a expressão «ser nascido» é frequentemente usada no imperfeito como maneira de o falante referenciar datas e acontecimentos em relação à sua própria biografia ou à de outra pessoa: «quando a guerra começou, eu já era/ainda não era nascido»; «quando o muro de Berlim caiu, ela ainda não era nascido». É equivalente ao pretérito mais-que-perfeito do verbo nascer: «quando a guerra começou, eu já tinha nascido.» Para salientar o facto de alguém ser contemporâneo de uma dada época passada ou se encontrar vivo no momento em que se fala, emprega-se «era/é vivo»: «O meu trisavô era vivo, quando o Homem chegou à Lua»; «O meu tetravô ainda é vivo.»