Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de que esclarecessem uma questão sobre emprego do tempo verbal com que eu e minhas colegas da faculdade de Psicologia sempre ficamos em dúvida .

Algumas colegas defendem que, na introdução de um trabalho acadêmico, se deveria, obrigatoriamente, usar o verbo tão-somente no futuro do presente. Argumentam que, na introdução, se relataria, em breves pinceladas, o que, de forma mais detalhada, se falará futuramente no decorrer do texto de que faz parte a referida introdução. Por exemplo: «O presente trabalho buscará avaliar a capacidade do indivíduo em relação a...»

Pois bem. Se o próprio Camões, na “introdução” de Os Lusíadas (Canto I), escreve «Cantando espalharei por toda parte...», não sou eu certamente que me arriscaria a dizer que elas estão erradas quanto a usar o verbo no futuro.

Mas será que usar o verbo no passado também não estaria correto? Por exemplo: «O presente trabalho buscou avaliar a capacidade do indivíduo em relação a...» Ora, seja na introdução ou não, estamos relatando um trabalho que, na verdade, já foi feito, no passado, em um momento anterior ao texto que estamos redigindo, para formalizar esse trabalho realizado.

Será que não é só uma questão de perspectiva, de decidir em que momento do tempo poremos o enunciador em relação ao fato que ele enuncia e de decidir qual fato afinal importa destacar? Devemos destacar o trabalho realizado, que se formaliza com o texto, ou destacar o próprio texto cujo curso segue após sua introdução?! Fico imaginando também se, com o verbo no passado, o texto ficaria mais discreto, como talvez conviesse a um texto científico. Não se trata de poesia, vale lembrar. Aliás, será que o verbo no passado produziria um efeito de maior certeza sobre o que foi feito, ao passo que o verbo no futuro não, pelo menos no caso em tela?

...

Resposta:

A questão levantada não é propriamente gramatical, e, sobre ela, não parece haver regras estritas. Por exemplo, há também quem opte por usar o presente do indicativo na introdução do trabalho, uma vez que este se encontra disponível para leitura no momento dessa mesma apresentação. Faço, no entanto, uma observação: se se empregar os tempos do sistema do passado, dar-se-á a impressão de que se relata a pesquisa feita, em vez de se apresentar o trabalho. Por isso, recomendo o futuro do presente ou o presente do indicativo como tempos verbais mais adequados, porque, nessa parte introdutória, o trabalho é contemporâneo da enunciação ou a ela subsequente.

Pergunta:

Como se designa um praticante de padel?

Resposta:

Usa-se a forma padelista, que a Federação Portuguesa de Padel não parece adotar. Seja como for, padelista é uma forma adequada, derivada regularmente de padel, por adjunção do sufixo -ista (cf. maratona > maratonista).

Uma observação sobre a forma padel, que significa «desporto de raquete, jogado a pares e utilizando raquetes e bolas próprias», «[cujo] campo é retangular, totalmente fechado, tem 10 metros de largura por 20 de comprimento e uma rede no meio»: em registos audiovisuais, noto que o nome desta modalidade desportiva é pronunciado como "pádel". Atendendo a esta articulação, e porque o nome tem origem no inglês paddle, que tem acento tónico na primeira sílaba (transcrição fonética: [’pad(ə)l]), parece-me mais adequada a grafia pádel – de resto, igual à que é usada em espanhol –, porque é a que está em correspondência exata com essa pronúncia.

Pergunta:

«A terça parte», correspondendo a «um terço», pode considerar-se um quantificador numeral fracionário?

Resposta:

No contexto dos ensinos básico e secundário de Portugal, não há termo especial para  expressões como «a terça parte». No entanto, os linguistas reconhecem a sua relação com os quantificadores e os fracionários. Por exemplo, na Gramática do Português, da Fundação Calouste Gulbenkian:

«Expressões como a maioria, a maior parte, uma minoria, etc. podem ser consideradas numerais fracionários. Todavia, não denotam uma quantidade exata (nem em termos absolutos nem em termos relativos). Distinguem-se de outras expressões indefinidas como alguns ou parte de por terem implícito um numeral, ´meio` ou ´metade`. As duas primeiras significam ´mais de metade`, e a terceira, ´menos de metade´. Essa pressuposição de um valor numérico específico não se verifica no caso de alguns ou parte de

Parece-nos, portanto, possível classificar «a terça parte» como quantificador numeral fracionário. Mas voltamos a sublinhar que esta classificação não faz parte da terminologia usada em Portugal nos ensinos básico e secundário.

Pergunta:

Dos erros de língua que os falantes produzem, os que mais me inquietam são, sem dúvida, o desrespeito pela reminiscência do sistema casual latino (o célebre *«vi ela») e a falta de sensibilidade estética em colocando os pronomes pessoais com função de complemento (o não menos omnipresente *«porque sentei-me»). Logo a seguir vêm aquelas deformações expressivas das formas do presente do conjuntivo:

(i) «Estás pr'aí a estrabuchar... Tu queres é que eu te *"deia" uma boa palmadona!»

(ii) «Mas se tu não me falas, porque é que queres que eu *"vaia" à festa?»

Gostaria de saber se apontais alguma explicação para este arrebatado prolongamento tão caricato...

Resposta:

As formas "deia" (ou "dea") e "vaia" são bastante antigas e constituem variantes da língua que permaneceram no português mais popular e, portanto, nos dialetos regionais. A sua explicação é histórica e beneficia do confronto com a língua medieval e a atual língua galega.

1. "Deia"

A forma é registada pela Revista Lusitana (XIV, p. 300, e XX, p. 157) sempre a propósito de dialetos a norte do rio Douro.

É resultado da epêntese de um [i] na forma "dea", documentada desde a Idade Média, no período galego-português, como aponta Manuel Ferreiro, na sua Gramática Histórica Galega (Edicións Laiovento, 1996, p. 321), a propósito do galego:

«A forma medieval do presente do subxuntivo é etimolóxica: DĔM > , fechado modernamente nos pontos onde foi conservado. De todos os xeitos, a forma maioritaria galega é dea, formada por adición dun sufixo modal-temporal de segunda ou terceira conxugación, resolvida dialectalmente em día, con tratamento fonético regular do hiato -éa- [...], documentándose xa no período medieval, tanto na lírica como na prosa, as dúas formas. [...]»

Sabendo da história comum do português e do galego na Idade Média, parece possível generalizar ao português o que o autor galego afirma.

2. "Vaia"

É forma atestada dialetalmente, pelo menos, desde 1914 (cf. Revista Lusitana, XVII, p. 158, a propósito do cancioneiro popular da Madeira).

Também é de supor que a forma "vaia" seja bastante antiga, uma vez que se encontra em galego (e em espanhol, sob a forma vaya). Manuel Ferreiro (op. cit., p. 205) refere-se a "vaia", observando o seguinte:

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra Isna, que corresponde ao nome de uma ribeira situada nos concelhos de Oleiros e Sertã.

Resposta:

É controversa a origem de Isna.

Há quem considere que o nome se relaciona com a palavra árabe hisn, «fortaleza». Há outros autores que consideram que o nome remonta ao latim asinus ou, melhor, à forma correspondente do género feminino, asina, isto é, «burro», «burra». Na região em que o rio corre, tendo em conta que durante grande parte, até finais do século XII, se encontrou aí frequentemente a fronteira noroeste do território árabo-islâmico, torna-se mais plausível a hipótese arábica.