Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Dos erros de língua que os falantes produzem, os que mais me inquietam são, sem dúvida, o desrespeito pela reminiscência do sistema casual latino (o célebre *«vi ela») e a falta de sensibilidade estética em colocando os pronomes pessoais com função de complemento (o não menos omnipresente *«porque sentei-me»). Logo a seguir vêm aquelas deformações expressivas das formas do presente do conjuntivo:

(i) «Estás pr'aí a estrabuchar... Tu queres é que eu te *"deia" uma boa palmadona!»

(ii) «Mas se tu não me falas, porque é que queres que eu *"vaia" à festa?»

Gostaria de saber se apontais alguma explicação para este arrebatado prolongamento tão caricato...

Resposta:

As formas "deia" (ou "dea") e "vaia" são bastante antigas e constituem variantes da língua que permaneceram no português mais popular e, portanto, nos dialetos regionais. A sua explicação é histórica e beneficia do confronto com a língua medieval e a atual língua galega.

1. "Deia"

A forma é registada pela Revista Lusitana (XIV, p. 300, e XX, p. 157) sempre a propósito de dialetos a norte do rio Douro.

É resultado da epêntese de um [i] na forma "dea", documentada desde a Idade Média, no período galego-português, como aponta Manuel Ferreiro, na sua Gramática Histórica Galega (Edicións Laiovento, 1996, p. 321), a propósito do galego:

«A forma medieval do presente do subxuntivo é etimolóxica: DĔM > , fechado modernamente nos pontos onde foi conservado. De todos os xeitos, a forma maioritaria galega é dea, formada por adición dun sufixo modal-temporal de segunda ou terceira conxugación, resolvida dialectalmente em día, con tratamento fonético regular do hiato -éa- [...], documentándose xa no período medieval, tanto na lírica como na prosa, as dúas formas. [...]»

Sabendo da história comum do português e do galego na Idade Média, parece possível generalizar ao português o que o autor galego afirma.

2. "Vaia"

É forma atestada dialetalmente, pelo menos, desde 1914 (cf. Revista Lusitana, XVII, p. 158, a propósito do cancioneiro popular da Madeira).

Também é de supor que a forma "vaia" seja bastante antiga, uma vez que se encontra em galego (e em espanhol, sob a forma vaya). Manuel Ferreiro (op. cit., p. 205) refere-se a "vaia", observando o seguinte:

Pergunta:

Gostaria de saber qual a origem da palavra Isna, que corresponde ao nome de uma ribeira situada nos concelhos de Oleiros e Sertã.

Resposta:

É controversa a origem de Isna.

Há quem considere que o nome se relaciona com a palavra árabe hisn, «fortaleza». Há outros autores que consideram que o nome remonta ao latim asinus ou, melhor, à forma correspondente do género feminino, asina, isto é, «burro», «burra». Na região em que o rio corre, tendo em conta que durante grande parte, até finais do século XII, se encontrou aí frequentemente a fronteira noroeste do território árabo-islâmico, torna-se mais plausível a hipótese arábica.

Pergunta:

Deparei-me, durante a leitura de um jornal brasileiro (Folha de São Paulo), com a expressão «empurrar com a barriga». A título de curiosidade, tentei encontrar a origem da palavra empurrar, e os dicionários gerais nada me dizem sobre sua etimologia. Na mesma expressão, também não sei da etimologia de barriga. Enfim, saberiam me dizer a origem das palavras empurrar, barriga e de que forma elas formaram partes desta expressão idiomática?

Resposta:

Transmito e transcrevo a informação facultada pelo Dicionário Houaiss.

O verbo empurrar tem etimologia obscura, embora possa considerar-se que tem relação com o espanhol empujar. Quanto a barriga, trata-se de um forma divergente (por extensão metafórica) de barrica, que terá a seguinte origem (idem): «fr. barrique (1455) "id.", com orig. prov. no gaulês *barrica, do qual também se origina a f. vulg. barriga e barril; segundo alguns autores, talvez conexo com [a raiz] bar-, uma vez que a barrica é feita de barras; var. divg. vulg. barriga, ´ventre` p. ext. metf. da forma bojuda da barrica à parte do corpo [...].»

Quanto à locução «empurrar com a barriga», que é um brasileirismo com o significado de «não tomar as providências necessárias; adiar soluções» (idem), não pude ter acesso a informação precisa sobre as circunstâncias históricas que motivaram o seu aparecimento e a sua fixação no uso. O mais que consigo inferir é que a expressão é uma metáfora, sugerindo um atitude preguiçosa e negligente, que não envolve muito esforço consciente e organizado.

Pergunta:

Durante a leitura do livro Luzia-Homem, obra datada de 1903, do escritor brasileiro (e de Sobral, estado do Ceará) Domingos Olímpio, deparei com a expressão «ficar a panos de vinagre» no contexto «Tivera eu a sua força, não precisaria de arma: quebrava-lhe a cara safada que ficaria a panos de vinagre» (Domingos Olímpio, Luzia-Homem, cap. IV, p. 13). Desconfio que a locução, de cunho idiomático, é herança lusitana. Diz-se assim em Portugal também? E, se sim, qual o sentido?

Resposta:

Na atualidade, a expressão é pouco usada em Portugal. Mas há atestações no passado, por exemplo, no século XIX, em autores portugueses, tal como se verifica com autores brasileiros: «Achou o rei de cama todo em panos de vinagre» (Teófilo Braga, Contos Tradicionais do Povo Português, p. 106). Depreende-se que «a panos de vinagre» significa muito doente». Acrescente-se que o vinagre é utilizado para embeber compressas (ou seja, «panos»), como remédio caseiro para fazer baixar a febre.

Pergunta:

Na vossa resposta à pergunta Os graffiti é indicado que graffiti é um estrangeirismo, e que «[e]m português, para designar o mesmo, temos o termo grafito, já existente em dicionários portugueses desde o século XIX, com o significado de "inscrição em paredes ou monumentos antigos" e que ganhou também aquele significado mais recente». O que me deixa com uma nova dúvida: como designar o autor sem recorrer ao estrangeirismo graffiter?

Resposta:

Atualmente já se usa grafiteiro, pelo menos a avaliar por certas páginas da Internet: «Grafiteiro português cria impressionantes murais 3D» (título de notícia do serviço em língua portuguesa da BBC, 13/12/2014). A palavra também já está dicionarizada, por exemplo, no Dicionário de Língua Portuguesa da Porto Editora (disponível na Infopédia) e no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa.

Tal como o verbo grafitar.