Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

«(…) concentra a ação dramática do ator (construindo alguma dessas personagens) no exercício da pregação (…).»

Gostaria de saber se a frase que se encontra entre parênteses pode ser classificada como uma oração relativa explicativa, mesmo não tendo um pronome relativo. Caso não possa, como se pode classificar?

Obrigada.

Resposta:

Como se apresenta, é ambígua a oração reduzida de gerúndio:

a) oração adjetiva restritiva (e não explicativa), equivalente a «que constrói alguma dessas personagens», que modifica «(d)o ator» (há gramáticos normativistas que condenam o uso deste tipo de orações de gerúndio);

b) oração adverbial que denota modo, meio, instrumento, que modifica o grupo verbal da frase «concentra a ação dramática do ator...».

Se se optar pela análise em b), convém lembrar que as orações adverbiais de modo não têm feito parte das terminologias gramaticais destinadas ao ensino básico e secundário (por exemplo, o Dicionário Terminológico). Será preciso recorrer a gramáticas de referência como a de E. Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, 2002, p. 523).

Pergunta:

Gostaria de saber da existência da designação da «pessoa que recorre aos certificados de aforro».

Obrigado.

Resposta:

Usa-se o termo aforrista ou expressões analíticas como «subscritor de certificados de aforro» ou «titular de certificados de aforro». Exemplos retirados de um documento da Caixa Geral de Depósitos:

(i) «[...] o direito dos herdeiros do aforrista de requererem a transmissão dos certificados de aforro integradores da herança daquele pode ser exercido, como decorre da lei, a partir da morte do mesmo aforrista [...].»

(ii) «[...] os direitos que o n.º 1 reconhece (à emissão de novos certificados ou ao seu levantamento) eram exercitáveis desde a morte do subscritor dos certificados de aforro [...]»*

(iii) «Tem sido este o entendimento seguido pelo IGCP, conforme informação disponível na sua página da Internet, relativa ao procedimento de habilitação de herdeiros de titular de certificados de aforro

* O artigo definido antes de «certificados de aforro» deve-se ao facto de a expressão já ter sido referida antes no texto e se encontrar, portanto, já identificada discursivamente.

Pergunta:

Ultimamente tenho reparado que em contexto culinário se usa a palavra decadente, como no exemplo «fiz uma sobremesa decadente, deliciosa».

A utilização da palavra neste contexto está correcta?

Obrigada!

Resposta:

Trata-se do decalque semântico do inglês decadent, no sentido de «(deliciosamente) luxuoso ou extravagante». Entende-se o seu uso em programas sobre moda e lazer, mas, no discurso mais corrente e noutros registos, deve ser substituído por formas mais tradicionais como extravagante, excêntrico ou até irresistível, consoante o contexto.

Pergunta:

Qual a origem da palavra piroso?

Resposta:

Não tenho acesso a fontes que se refiram à etimologia do adjetivo («roupa pirosa») e substantivo («um piroso») em questão. O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa classifica piroso como um derivado sufixal de pires e nada mais. No entanto, na Internet, encontro a seguinte proposta feita em comentário (mantenho a ortografia original):

«E o ser "piroso", ouvi hoje de manhã na rádio, tem que ver com esta história:

Por volta dos anos 50, terá surgido em Lisboa uma loja de confecções que, a dado momento, passou a ser comummente conhecida por disponibilizar roupas muito pouco reconhecidas na sua beleza (talvez fora de moda, talvez ridículas, talvez meio bregas, não apanhei bem...?!). Essa casa tinha por nome o apelido do seu proprietário: "Pires".
Vai daí que passou-se a dizer, quando se via alguém menos bem vestido: – "Estás muito [à] Pires, hoje"; ou (essa a que pegou): – "Que coisa pirosa!/que piroso!"»  (blogue Eucerejinha).

Infelizmente, não vejo esta narrativa confirmada noutras fontes, pelo que, por enquanto, a apresento como mera hipótese.

Pergunta:

Qual é a designação correcta do tipo de energia renovável que se extrai da retenção de água nas barragens? Hídrica, ou hidráulica?

Resposta:

Em referência à energia em causa, usa-se quer «energia hídrica» quer «energia hidráulica» (ver também o Lextec, um projeto alojado nas páginas do Instituto Camões). É difícil distinguir o termo mais correto, porque os adjetivos em questão, hídrico, «relativo à agua», e hidráulico, «que é movimentado pela água», acabam por significar o mesmo quando associados à palavra energia: «energia hídrica» = «energia de origem hídrica»; «energia hidráulica» = «energia relativa à movimentação da água».

N. E. – O consulente José Calvo (Lisboa) entendeu enviar o seguinte esclarecimento, que agradecemos e que permite completar o conteúdo da resposta: «Em relação à pergunta de José Carapinha, se por um lado as expressões se podem considerar equivalentes, por outro lado o termo hidráulico é muito utilizado na óleo-hidráulica, para descrever qualquer fluido com características adequadas, pelo que na organização onde trabalho optámos por utilizar o termo hídrico, quando queremos referir-nos a processos envolvendo apenas a água como fluido, e hidráulico, quando nos referimos a outros fluidos. Pode-se contrapor que óleo-hidráulico seria mais correto, mas desta forma utilizamos palavras específicas para cada um.» [embora "oleoidráulico" seja forma possível, mantive-se a grafia usada pelo consulente, que se afigura aceitável, se se considerar óleo- como elemento prefixal]