Pergunta:
Dos erros de língua que os falantes produzem, os que mais me inquietam são, sem dúvida, o desrespeito pela reminiscência do sistema casual latino (o célebre *«vi ela») e a falta de sensibilidade estética em colocando os pronomes pessoais com função de complemento (o não menos omnipresente *«porque sentei-me»). Logo a seguir vêm aquelas deformações expressivas das formas do presente do conjuntivo:
(i) «Estás pr'aí a estrabuchar... Tu queres é que eu te *"deia" uma boa palmadona!»
(ii) «Mas se tu não me falas, porque é que queres que eu *"vaia" à festa?»
Gostaria de saber se apontais alguma explicação para este arrebatado prolongamento tão caricato...
Resposta:
As formas "deia" (ou "dea") e "vaia" são bastante antigas e constituem variantes da língua que permaneceram no português mais popular e, portanto, nos dialetos regionais. A sua explicação é histórica e beneficia do confronto com a língua medieval e a atual língua galega.
1. "Deia"
A forma é registada pela Revista Lusitana (XIV, p. 300, e XX, p. 157) sempre a propósito de dialetos a norte do rio Douro.
É resultado da epêntese de um [i] na forma "dea", documentada desde a Idade Média, no período galego-português, como aponta Manuel Ferreiro, na sua Gramática Histórica Galega (Edicións Laiovento, 1996, p. 321), a propósito do galego:
«A forma medieval do presente do subxuntivo é etimolóxica: DĔM > dé, fechado modernamente nos pontos onde foi conservado. De todos os xeitos, a forma maioritaria galega é dea, formada por adición dun sufixo modal-temporal de segunda ou terceira conxugación, resolvida dialectalmente em día, con tratamento fonético regular do hiato -éa- [...], documentándose xa no período medieval, tanto na lírica como na prosa, as dúas formas. [...]»
Sabendo da história comum do português e do galego na Idade Média, parece possível generalizar ao português o que o autor galego afirma.
2. "Vaia"
É forma atestada dialetalmente, pelo menos, desde 1914 (cf. Revista Lusitana, XVII, p. 158, a propósito do cancioneiro popular da Madeira).
Também é de supor que a forma "vaia" seja bastante antiga, uma vez que se encontra em galego (e em espanhol, sob a forma vaya). Manuel Ferreiro (op. cit., p. 205) refere-se a "vaia", observando o seguinte: