Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de conhecer a vossa opinião sobre a origem do topónimo Concieiro, que aparece associado a alguns lugares do Norte do país. Poderá ter origem na palavra concha? Nesse caso, como explicar a sua ocorrência longe do mar? Poderá estar associado a bebedouros em forma de concha ou aos caminhos de Santiago?

Muito obrigado.

Resposta:

A etimologia do topónimo Concieiro não é clara.

O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa (2003), de José Pedro Machado, regista-o, mas nada diz de concreto sobre a sua etimologia. Já Almeida Fernandes, em Toponímia Portuguesa – Exame a Um Dicionário (1999), referindo-se ao topónimo Couceiro, inclui na discussão a forma Coucieiro, que localiza nos distritos de Viana do Castelo, Braga e Vila Real (aqui, no concelho de Santa Marta de Penaguião) e relaciona com Concela (nome de um lugar na freguesia de Penhalonga, Marco de Canaveses), forma por sua vez originária da forma latina não atestada *CONCELLA, diminutivo de CONCA, «concha» (está na origem de concha, por CONCHULA), usado em referência a um acidente topográfico, provavelmente uma depressão cortada pelo rio Douro. Coucieiro será variante de Concieiro, topónimo que, segundo Fernandes, viria da forma latina não atestada "CONCELARIU, pelas fases intermédias *conceleiro e conceeiro. Em suma, Concieiro pode ter relação etimológica com uma unidade do léxico comum latino que significaria "concha", a qual terá sido usada metaforicamente para designar um acidente do terreno, e não eventuais bebedouros em forma de concha ou vieira compostelana.

Pergunta:

Qual o significado de alteridade?

Resposta:

Trata-se de um conceito filosófico, conforme definição do Dicionário Houaiss: «substantivo feminino 1 natureza ou condição do que é outro, do que é distinto; 2    Rubrica: filosofia. Situação, estado ou qualidade que se constitui através de relações de contraste, distinção, diferença [Relegada ao plano de realidade não essencial pela metafísica antiga, a alteridade adquire centralidade e relevância ontológica na filosofia moderna (hegelianismo) e esp. na contemporânea (pós-estruturalismo).] Obs.: p. opos. a identidade.»

Para uma definição mais desenvolvida deste conceito, ler artigo Alteridade no E-Dicionário de Termos Literários (coordenação de Carlos Ceia).

Pergunta:

«Atrevimento para», ou «atrevimento a»?

Resposta:

O substantivo atrevimento pode ter regência com a preposição para, mas não com a, que, pelo contrário, é aceite por atrever-se, o verbo de que deriva o substantivo em apreço. Francisco Fernandes (Dicionário de Regimes de Substantivos e Adjetivos, São Paulo, Globo, 1995) abona o emprego do substantivo atrevimento com as preposições com, contra, de, em e para, mas não com a; exemplos (todos da fonte consultada):

«Que atrevimento com a pobre mulher!»

«É muito atrevimento contra opinião tão abalizada!»

«Teve o atrevimento de me desmentir.»

«Atrevimento em tratar de letras sagradas» (dicionário de Morais Silva).

«Este foi o respeito por que o demônio não teve atrevimento para tentar a Estanislau na pureza» (Padre António Vieira).

Ciberdúvidas da Língua Portuguesa <br> – em linha, ao serviço de todos
O que é e o que faz à volta do idioma oficial dos oito países da CPLP

A natureza de serviço público, as características específicas, a pluralidade temática – em 12 rubricas distintas e devidamente  assinaladas conforme sejam de esclarecimento, de  informação e de opinião (esta que só responsabiliza quem a subscreva) – e a razão de ser deste projeto criado em 15 de janeiro de 1997.

Pergunta:

Queria saber se estas quatro palavras existem na língua portuguesa e, se existem, qual a forma correta de se escrever.

"Colaça", "culaça", "colassa", ou "culassa"?

É um termo técnico usado nas oficinas de automóveis e pelos mecânicos quando se referem à cabeça do um motor.

O meu muito obrigado.

Resposta:

A palavra em apreço não tem registo nos dicionários gerais a que tenho acesso. No entanto, tem o mesmo significado que o francês culasse1 e, como tal, parece ser a respetiva adaptação. É legítimo adaptá-lo ao português mudando-lhe apenas a vogal final, de modo a afeiçoá-la à morfologia vernácula – donde, culassa. Em alternativa, não excluo a possibilidade de a palavra se escrever com ç por razões históricas,2 mas julgo que isso já será levar demasiado longe a adaptação.

1 No Trésor de la Langue Française, atribuem-se a culasse, entre outras aceções, a de (em mecânica automóvel) «Partie supérieure fermant le bloc des cylindres dans un moteur à explosion ou à combustion, et qui sert de chambre de compression.» (tradução livre: «parte superior que fecha o bloco de cilindros dentro de um motor de explosão ou de combustão e que serve de câmara de compressão»).

2 O ç pode justiificar-se porque culasse é já, por si só, uma adaptação de um empréstimo norte-italiano, mais precisamente, do veneziano culazzo, que em italiano é culaccio (Trésor de la Langue Française, cf. nota 1 desta resposta). Esta terminação -accio corresponde a -aço em português, como ilustra o passo de pagliaccio a palhaço (cf. Dicionário Houaiss).