Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Estou com uma dúvida em relação à análise das duas primeiras vogais de tormenta: o, vogal posterior átona fechada e oral. Bem, o o é átono e fechado e oral, até ai entendi; mas por que é posterior? Sobre e, diz-se que anterior, tônica, fechada e nasalizada, mas não entendi o «anterior».

Podem me ajudar por favor?

Resposta:

No contexto da pronúncia brasileira, o o de tormenta é posterior, porque é velar, ou seja, a língua está recuada. A vogal correspondente a e (ou melhor, en) é anterior, porque a língua avança. Penso que as definições do Dicionário Houaiss ajudam a clarificar esta terminologia:

(1) posterior: «articulado na parte de trás do trato vocal [véu palatino, úvula, faringe e glote] (diz-se de som da fala); Obs.: p. opos. a anterior e a central»;

(2) anterior: «articulado na parte anterior da cavidade bucal [dentes incisivos superiores, alvéolos, parte anterior do palato duro] (diz-se de sons da fala, articulação etc.). Obs.: p. opos. a central e posterior. [...]».

Pergunta:

Gostaria de saber a origem etimológica do termo pubarca.

Resposta:

Trata-se de um termo científico formado por radicais de origem latina e grega: pub(i/o)- (latino) + -arca (grego). Designa o aparecimento precoce de pelos púbicos em crianças.

De acordo com o Dicionário Houaiss*, o radical pub(i/o)- é um «antepositivo, do lat. pubes, is, "pêlo que caracteriza a puberdade; por extensão, parte do corpo coberta por esse pêlo, púbis", designa também a "população adulta masculina, com idade de usar armas e de tomar parte nas deliberações da assembléia", e de pubes ou puber ou pubis, eris, "púbere, adulto", donde os seguintes deivados latinos: pubesco, is, ui, ère (sem supino), "cobrir-se de pêlos, chegar à puberdade", pubens, entis, "que está na puberdade", pubertas, atis, "puberdade", impubes ou impuber ou impubis, is, "que não tem pêlo; que não atingiu a puberdade"; a cognação vernácula apresenta vocábulos já originalmente latinos, já formados à sua feição: empubescer, empubescido; impuberdade, impúbere, impubescência, impubescente; pubente, puberal, puberdade, púbere, pubertário, puberulento, pubérulo, pubescência, pubescente, pubescer, pubiano, púbico, pubofemoral, puboisquiometal, pubotibial

O segundo elemento corresponde ao radical -arca, que, também segundo o Dicionário Houaiss, é um «pospositivo, do gr. arkhê, ês, "início, começo"; ocorre em uns poucos cultismos do século XX: adrenarca, menarca, pubarca [...].»

* Consultei a 1.ª edição, de 2001. Mantive a ortograf...

Pergunta:

Será que a expressão «alavancar a economia» é correcta?

Resposta:

É uma expressão do chamado economês, que parece ter-se já fixado na língua (cf. alavancagem). O Dicionário Houaiss (1.ª edição brasileira, de 2001) regista este verbo: «dar impulso a; agir a favor de; favorecer o desenvolvimento de; fazer avançar; fomentar, promover, incentivar. Ex.: as circunstâncias políticas alavancaram este empreendimento.» Mas igualmente dicionários elaborados em Portugal, como o da Porto Editora e o da Priberam acolhem este verbo, sem indicação de que se trata de palavra condenável. De qualquer modo, para quem não goste ou considere que o uso de alavancar é deselegante, sugiro o uso de fomentar e incentivar: «fomentar/incentivar a economia».

Pergunta:

O adjectivo sonial, significando «relativo ao sonho», «onírico», existe na língua portuguesa?

Ou é um aportuguesamento da palavra francesa somnial?

Há vários dicionários brasileiros online que apresentam a palavra sonial como correcta, mas a Infopédia, da Porto Editora, nega a sua existência.

Antecipadamente grato.

Resposta:

O adjetivo sonial está registado em português – mesmo no português de Portugal. Figura no Dicionário Priberam da Língua Portuguesa e aparece no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Porto Editora, bem como no Vocabulário Ortográfico do Português. Não se julgue que é recente o registo dicionarístico da palavra. O Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, publicado em 1940 pela Academia das Ciências de Lisboa, e o Vocabulário da Língua Portuguesa, de 1966 e da autoria de Rebelo Gonçalves, também acolhem sonial. O Dicionário Houaiss atribui origem latina a este adjetivo, sem menção de transmissão pelo francês: «[Do] latim somnialis, e "de sonho" [...].»

Pergunta:

Qual é o processo de formação da palavra espadarte?

Resposta:

O substantivo espadarte não parece palavra que tenha sido formada em português, a partir de outros elementos ou palavras. Tem origem controversa, segundo aponta o Dicionário Houaiss: «[...] J[osé Pedro] M[achado] cita Adolpho Coelho, que propõe espada + arte; para [Antenor] Nascentes, do fr[ancês] ant[igo] espaart, com infl[uência] de espada [...].»