Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual é a etimologia do nome Carmona?

Resposta:

O apelido Carmona parece ter origem no topónimo andaluz Carmona (cf. José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico, 2003). Segundo o Dicionário das Famílias Portuguesas (Quetzal Editores, 2010), de D. Luiz de Lencastre e Tavora, este apelido terá sido adotado por uma família do ramo dos Andrades (com origens no norte da Galiza). No entanto, J. Leite Vasconcelos, na sua Antroponímia Portuguesa (Lisboa, Imprensa Nacional, 1928, pág. 298), apoiando-se noutro autor (Brancaamp, Armaria...), observa que não há registo deste apelido antes do século XIX. Quanto ao topónimo Carmona, José Pedro Machado refere que tem origem pré-romana (embora nada diga sobre a possibilidade de uma etimologia exata) e que os Romanos o adaptaram ao latim como Carmōna (ou Carmo), para depois os árabes o usarem como qarmōna. Em castelhano, a forma é Carmona, que passou ao português praticamente sem alteração.

Pergunta:

Enquanto estudava História, reparei numa frase curiosa que figurava no manual, mas que não sei se está de acordo com a sintaxe do português europeu. Transcrevo apenas o essencial:

«... confiscação de patentes, como o caso da da aspirina.»

Conforme se pode ver, esta ocorrência da contração da preposição é estranha, embora desconheça o grau de similitude com a seguinte reformulação:

«Confiscação de patentes, entre as quais a da aspirina.»

Se, com efeito, o primeiro segmento for agramatical, gostaria de saber por que motivo, então, se pode censurar a coocorrência da contração, mas não a de «...a (patente) da aspirina» (reformulação).

Obrigado.

Resposta:

A sequência «da da» é gramatical e marca uma elipse, isto é, uma construção em que se subentende uma palavra ou um grupo de palavras:

1. «... confiscação de patentes, como o caso da (patente) da aspirina.»

Em 1, a primeira ocorrência de da, que é a contração da preposição de com o uso pronominal demonstrativo do artigo definido1 a (portanto, no sentido de aquela: «a que é da aspirina» = «aquela que é da aspirina; cf. Textos Relacionados), está associada à omissão (elipse) de patente. A sequência está, portanto, correta gramaticalmente.

Outra coisa é saber se estilisticamente ela se recomenda. Atendendo ao preceito de evitar repetições na mesma frase, sempre que possível, para mais quando as palavras repetidas estão muito próximas, é preferível não haver esse encontro e dar formulação diferente à sequência; por exemplo, a que propõe o consulente («Confiscação de patentes, entre as quais a da aspirina», que não significa exatamente o mesmo)2 ou ainda «... confiscação de patentes, sendo a da aspirina um caso».

1 N. E. (11/10/2016) – A resposta foi corrigida – onde se escrevia «uso demonstrativo do pronome pessoal a» passou a estar «uso pronominal demonstrativo do artigo definido a» – devido a um reparo do consulente João de Brito (Vila Real, Portugal), com o seguinte teor: «Os pronomes não estão associados a omissões. Os pronomes são substituições de pleno direito. Pelo que esse a não passa de um determinante: … como o caso "de a patente de a aspirina".» Reforçamos esta observação, que agradecemos, com uma citação d...

Pergunta:

Gostaria de saber qual a forma correta de uso: «tiro ao arco», ou «tiro com arco»?

Obrigada.

Resposta:

«Tiro ao arco» é a expressão mais tradicional, a avaliar pelo seu uso na tradução (cf. Linguee) ou por figurar, por exemplo, como equivalente de archery no Oxford Portuguese Dictionary (de John Whitlam e Lia Raitt). Trata-se, portanto, de um caso em que se usa a preposição a com valor instrumental na denominação de um desporto ou de qualquer atividade física, à semelhança de «saltar à corda»* (donde é legítimo deduzir «salto à corda»).  Noutros casos, porém, a preposição a tem um uso mais convencional, exprimindo a direção do movimento (cf. «tiro ao alvo», «tiro aos pratos» subentradas de tiro, no Dicionário Atual da Língua Portuguesa – Ensino Básico e Secundário, Edições ASA, 2002). A falta de sentido (ou transparência) que tem atualmente a preposição a com valor instrumental talvez explique que, querendo dar maior coerência lógico-semântica à linguagem, se empregue «tiro com arco», expressão consagrada pela respetiva federação desportiva de Portugal e como denominação da modalidade em apreço.

Em suma, a forma com tradição é «tiro ao arco». Contudo, a força institucional de certas entidades está a caminho de impor a expressão «tiro com arco», muito provavelmente por hipercorreção lógico-semântica.

* N. E. (27/09/2016) – No Brasil, «pular corda» (informação do consultor Luciano Eduardo de Oliveira).

Pergunta:

Relativamente a este termo, e uma vez que se encontra consagrada a pronúncia “necrópsia” na comunidade médica e que o Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora aceita a grafia com acento, é incorreto grafar “necrópsia” em obras com o intuito de divulgação científica? E não sendo correto, existe alguma razão para se diferenciar de biópsia ou autópsia, ambos aceites com acento pelo Portal da Língua Portuguesa [Vocabulário Ortográfico do Português]?

Resposta:

O uso impôs a forma necrópsia para a palavra em questão.

Embora, entre os normativistas de meados do século XX, se considerasse mais correta necropsia, emprega-se hoje mais frequentemente a forma necrópsia, por analogia com autópsia, a qual, como observa o Dicionário Houaiss, tem motivado a oscilação entre -opsia e -ópsia. Note-se que dois dos vocabulários ortográficos atualizados – o Vocabulário Ortográfico do Português (no Portal da Língua) e o vocabulário ortográfico da Porto Editora – elaborados em Portugal registam só necropsia, muito embora neles figure biópsia e biopsia. Contudo, deve assinalar-se que o Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras apresenta duas formas: necropsia e necrópsia. O Dicionário de Termos Médicos da Porto Editora (em contradição com o vocabulário desta mesma editora) mais não faz, portanto, do que consagrar um uso frequente, pelo que é legítimo considerar que necrópsia é hoje uma forma aceitável. Mesmo convém realçar que esta conclusão pode ter de ser revista se alguma entidade a que se reconheça capacidade de intervenção normativa decidir fixar, por exemplo, a forma mais conservadora do ponto ...

Pergunta:

Um dicionário diz que um dos significados de accredited é «considerado como», o que me parece errado. Tenho ouvido muitos jornalistas dizer «eleito como presidente», «considerado como o melhor atleta», etc.

Estranhei porque julgo que esses dois verbos não pedem a conjunção como. Mas como me esforço por não ser arrogante e admito a hipótese de estar errado, agradecia que me elucidassem. Os erros nos jornalistas são diários, mas num dicionário accreditedreconhecido, autorizado», «a que se dá crédito»]?

Resposta:

Sobre «eleito como...» e «considerado como», não se pode dizer que o uso da conjunção esteja incorreto ou que seja novidade no português. Com efeito, «considerado como» já se atesta, por exemplo, no século XVI:

1. «... posto que o Amor considerado como apetite carnal seja excesso de um desejo fora da razão...» (Francisco Rodrigues Lobo, Corte na Aldeia e Noites de Inverno in Corpus do Português)

A gramática de Celso Cunha e Lindley Cinta (Nova Gramática do Português Contemporâneo, 1984, p. 147) também atesta esta possibilidade da ocorrência de como:

«... o [predicativo] do OBJECTO pode vir antecedido de preposição, ou do conectivo como:

Quaresma então explicou porque o tratavam por major. (Lima Barreto, TFPQ, 215)

Considero-o como o primeiro dos precursores do espírito moderno. (Antero de Quental, C, 313)»

Com eleger, parece ser esse uso menos frequente ou de atestação menos antiga, se se tiver em conta que, por exemplo, no Corpus do Português, quase só se identificam abonações do século XX:

2. «Marcelo Rebelo de Sousa apadrinhou Carlos Andrade, sexta-feira passada, elegendo-o como o salvador de uma Guarda que "parou no tempo"» (Diário As Beiras, 6/26/1997 in Corpus do Português).

Mas encontram-se ocorrências do século XIX:

3. «Fê-la rainha a ciência e, ao vê-la, a musa