Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Numa tese de doutoramento em Física da atmosfera li as seguintes frases: «À acumulação de evidências observacionais de uma tendência de subida da temperatura média do planeta ...»; «Após a descrição dos dados observacionais usados para validação dos resultados das simulações histórica e de controlo ...»

Temos em comum nas duas frases a palavra "observacionais", que desconheço existir no léxico da língua portuguesa. Pela leitura das frases, parece-me que o seu autor pretende dizer observados ou observáveis. Face à minha dúvida, pergunto se o termo em causa existe ou até se estamos na presença de um neologismo, ou pelo contrário é uma palavra mal formada e inexistente.

Obrigado pelas vossas explicações.

Resposta:

A palavra observacional está dicionarizada com o significado de «relativo à observação» (cf. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa). Encontra-se igualmente registado no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa da Academia Brasileira de Letras e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, que a Porto Editora publicou em 2009.

Observacional tem, de resto, registo no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa que a Academia das Ciências de Lisboa editou em 1940, juntamente com outros adjetivos de sentido semelhante como observativo e observável.

N. E. (20/10/2016) – Foram recebidos alguns comentários põem em causa a aceitabilidade de «evidências observacionais» em vários planos (semântico, lexical, estilístico). Na verdade, a expressão suscita reservas por se revelar redundante, também não fugindo ao pleonasmo os casos de «evidências observáveis» ou «evidências observadas». Com efeito, se o vocábulo evidência remete para a noção de visibilidade, o mesmo faz o adjetiv...

Pergunta:

O que significa a palavra Ituverava?

Resposta:

Não se encontrando atestação do seu uso como nome comum, verifica-se que Ituverava é um topónimo de origem tupi, conforme registo do Dicionário de Topônimos Brasileiros de Origem Tupi (São Paulo, Traço Editora,195), de Luiz Caldas Tibiriçá:

«Ituverava – cid. do Este de São Paulo; de ytu-beraba, cachoeira brilhante.»

Informação semelhante acha-se em páginas de divulgação, por exemplo, no artigo da Wikipédia sobre esta cidade, bem como no sítio Ache Tudo e Região.

 

Cf. Cidades brasileiras cujos nomes têm origem no tupi-guarani

Pergunta:

No programa da RTP Bom Português do dia 10 de outubro de 2016, a pergunta era sobre se dizia tráfego ou tráfico, e deram como resposta certa "tráfego", não admitindo "tráfico" como podendo ter o mesmo significado. Segundo o site da Infopédia o terceiro e quarto significado de tráfico são: «3. conjunto dos veículos que circulam numa via de comunicação 4. circulação de veículos», ou seja, o mesmo que tráfego.

Poderiam esclarecer esta situação?

Obrigada.

Resposta:

Além do que já se respondeu anteriormamente sobre este tema [cf. Respostas Anterirores, ao lado], refira-se que o Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa confirma só em parte as definições atribuídas pelo dicionário da Porto Editora (versão em linha na Infopédia). Ou seja: enquanto tráfego pode significar «atividade de troca de mercadorias» e «quantidade de determinado tipo de meios de transporte em circulação», à palavra tráfico só se associa a primeira das mencionadas definições, juntando-lhe conotações negativas que dão origem a também ser entendida como «atividade, contrato ou negócio ilegal, fraudulento». Se juntarmos a estes vocábulos o termo trânsito, observa-se que este é sinónimo de tráfego, mas pouco coincidente com tráfico.

A distinção entre tráfego e tráfico também faz parte do português do Brasil, não sendo, portanto, exclusiva do português de Portugal, como se pode ler no Guia de Usos do Português (São Paulo, Editoar UNESP, 2003), de Maria Helena de Moura Neves: «1. Tráfego significa "movimento de veículos", "trânsito" [...] ♦ Com a implantação das indústrias as ruas estreitas e sinuosas não mais suportam o TRÁFEGO intenso de multidões e veículos. [...] . 2. Tráfico designa comércio ilícito, transação imoral [..] ♦ Com o TRÁFICO de drogas conseguiu economizar dinheiro suficiente para nunca mais ter que trabalhar [...].»

Pergunta:

Como se diria "cuelga fácil" em português?

Obrigado.

Resposta:

Trata-se de um tipo de dispositivo que se fixa na parede para pendurar quadros. O que se observa é que, em Portugal, está a ser comercializado por várias empresas (por exemplo, esta) sob a denominação «prego fácil» ou prego-fácil.

Pergunta:

Há dias, disse a uma rapariga que se apresentou como Miriam: «Mas... não é um nome português!...» Eu só tentava saber por que teria esse nome... Eu não mostraria nenhuma admiração se se chamasse Mariana, Maria, Madalena ou Joaquina ou até Miquelina... Tenho ou não a compreensão da Ciberdúvidas e até algum comentário?

Muito obrigado.

Resposta:

O nome (antropónimo) Miriam não é um nome tradicional em Portugal, e, nessa perspetiva, pode dizer-se que não é português – o que não significa que não possa vir a ser...

Miriam parece uma forma relativamente recente no conjunto dos nomes próprios portugueses, em comparação com a forma tradicional correspondente, que é Maria: «[...] o antropónimo Maria, do hebr. Miryam, através do baixo-latim Maria, representado desde as origens da língua por influxo do latim eclesiástico [...].» (Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, s.v. mari-). José Pedro Machado (Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, aponta também que na forma Maria também interveio o grego como via de transmissão: «do lat. Maria, este do gr. María, que, por sua vez, se deve ao hebr. Miriam, com muitas interpretações, com numerosas hipóteses etimológicas [...]»1; o mesmo autor, na entrada que dá a Miriam, nota que «[...] a Vulgata apresenta esta forma, mesmo no antigo Testamento (ver Êxodo, XmV, 20); Maria é corrente no Novo.» E refira-se ainda que Machado acolhe formas como Mariame e Mariamen, que provêm de documentos da Alta Idade Média, como adaptações do árabe mariam, correspondente a Maria. Mas, se algum uso houve da forma hebraica ou da árabe no território hoje português, a verdade é que não chegou testemunho direto desses tempos à contemporaneidade.

Observe-se, entretanto, que em Portugal (não parece ter sido assim no Brasil) têm sido aplicadas certas restrições à atribuição de nomes próprios fora dos padrões do português. Contudo, nas décadas mais recentes, o leque de nomes autorizados em Portugal alargou-se consideravelmente, conforme se pode confir...