Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Por que LH não se separa e RR se separa?

Ex:

car-ro

mu-lher

Grata,

Resposta:

Na translineação, é uma diferença que já existe há mais de 100.

Não parece haver uma resposta clara, mas a diferença reside no modo como se interpreta rr e ss. Estas consoantes dobradas são tratadas como se fossem consoantes duplas, isto é, como se a primeira consoante fechasse a sílaba precedente e a repetição da consoante começasse nova sílaba:

pas-
sar

car-
ro

Nesta perspetiva, que, no entanto, não tem base fonética no português – ss e rr representam sons simples –, separam-se as consoantes repetidas na translineação.

Pergunta:

Conhecerão, porventura, a origem da expressão «é um pincel» para denotar dificuldade ou exprimir enfado?

Resposta:

Nas fontes aqui consultadas1, não se  encontra explicação.

Apura-se, no entanto, que pincel pode, no registo calão, significar «pénis», e não é infrequente usarem-se palavras com esta denotação para exprimir impaciência perante uma situação aborrecida ou uma pessoa de alguma forma desagradável. «É um pincel» configura uma expressão que se aceita no registo informal; mas pode ter na origem em usos bastantes grosseiros, do baixo calão, como um que encontra exemplo de recriação literária:

(1) «Alguém gracejou aos seus ouvidos, dizendo que o caralho do Pinto se tinha peidado pela boca» (João de Melo, Autópsia de um Mar de Ruínas, 1992, Corpus do Português)

Ainda no âmbito do calão, com conotação sexual, regista-se «molhar o pincel», o mesmo que «fazer sexo, copular».

 

1 Obras consultadas: Orlando Neves, Dicionário de Expressões Correntes (2000); Afonso Praça, Novo Dicionário do Calão (2005); Dicionário Aberto de Calão (Universidade do Minho, 06/03/2024); Dicionário da Academia das Ciências de Lisboa; Infopédia.

Pergunta:

Quando os portugueses chegaram ao Brasil, acreditavam ter chegado às Índias, daí chamar os nativos de "índios", o que se constitui em tremendo erro histórico. Como o lugar aonde chegaram foi o Brasil, seus nativos deveriam ser chamados de "brasilgenas", ou "brasigenas", nunca "indígenas".

É correto pensar assim?

Resposta:

Do ponto de vista morfológico e etimológico, o termo indígena nada tem que ver com a palavra índio.

A palavra indígena vem do latim indigĕna, indigĕnae, que significa «natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria» e que se compõe, também em latim, de indu, forma arcaica da preposição in, «em», e de -gena, por sua vez um derivado do verbo latino gigno, is, genŭi, genǐtum, gignĕre, «gerar»1. Ou seja, este é um aspeto muito importante para não tirar conclusões precipitadas, o elemento indi- de indígena relaciona-se com a preposição portuguesa em, que vem da preposição latina in, e não de índio.

Quanto às formas propostas na consultas, a primeira, "brasilgena" e "brasigena" são palavras muito discutíveis, para não dizer incorretas. Na verdade, tendo em conta que o elemento -gena de indígena é átono mas tem um acento tónico associado que recai na última sílaba do primeiro elemento de indígena, teria de se considerar formas como "brasílgena" e "brasígena", que não têm registo. Dado que se atesta o vocábulo brasilíada2, mais plausível se torna, por exemplo, a formação de "brasilígena", de que não se encontrou registo.

Em suma, estando disponível indígena e sabendo que os chamados povos ameríndios não se limitavam ao território hoje brasileiro, não se vislumbra razão para rejeitar o termo em apreço.

1 É a etimologia apresentada no Dicionário Houaiss. Observe-se, porém, que no Diccionario Crítico Etimológico Castellano...

Pergunta:

Miraldo é um topónimo do baixo latim Miraldus? Ou do germânico mir + aldo («admiração» + «nobreza, sabedoria»)?

Obrigado.

Resposta:

O topónimo Miraldo, nome de um lugar da freguesia de Freamunde, no concelho de Paços de Ferreira, poderá ter tido a forma Miraldus em documentos medievais escritos em latim.

Note-se, porém, que a forma latina do nome em apreço se atesta como Mirualdo num documento do ano 9781. Como muitos nomes de origem germânica, será um composto, formado por mir-, variante do gótico mêreis («famoso») e de um derivado do verbo gótico waldan («governar»)2. Na Galiza, no concelho de Sárria (Lugo), encontra-se Miralde3, topónimo que terá a mesma origem nesse nome pessoal (antropónimo).

1 Cf. Miraldo em José Pedro Machado, Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, 2003.

2 Cf. Joseph-Maria Piel, Os Nomes Germânicos na Toponímia Portuguesa, 1937-1945.

3 Cf. Nomenclátor de Galicia.

Pergunta:

Me deparei com traduções usando a letra N antes de B em "unbiúnio", "unbinílio" e "unbibium". Até aí, são erros óbvios.

Mas, e quanto a "unbihéxio" e "unhexquádio", teria a necessidade de hifenização antes do afixo -hex-/-héx-?

Fui procurar a versão em latim com seus alomorfos e percebi que usam as palavras de forma idêntica ao inglês, contudo podem ser má tradução.

Aproveitando, gostaria de saber se o mesmo deve ocorrer com os aportuguesamentos "umpentéxio" (unpenthexium), "unumpêntio" (ununpentium), "un-hexpêntio" (unhexpentium), dentre os derivados.

Resposta:

À luz da ortografia do português, trata-se de facto de formas erradas porque não se escreve n antes de b.

No entanto, acontece que na nomenclatura dos elementos químicos artificiais se usam termos que seguem regras que, em grande parte, são impostas pela União Internacional da Física Pura e Aplicada (IUPAC), conforme se explica no artigo "Os Nomes dos Elementos Químicos" publicado no Boletim da Sociedade Portuguesa de Química (ou/dez 2010, p. 47):

«[...] a IUPAC aprovou para eles [os elementos artificiais] uma nomenclatura sistemática e uma série de símbolos constituídos por três letras para uso provisório [...]. O nome provisório de cada elemento químico é derivado directamente do seu número atómico por utilização das seguintes sílabas numéricas antepostas à terminação io: 0= nil 1 = un 2 = bi 3 = tri 4 = quad 5 = pent 6 = hex 7 = sept 8 = oct 9 = enn As sílabas são colocadas pela ordem dos dígitos que constituem o número atómico e adiciona-se a terminação io para formar o nome. Elide-se o n de enn quando se lhe seguir nil e o i final de bi e tri quando se lhes seguir io. Em português, razões fonéticas exigem frequentemente a acentuação das sílabas nos nomes e exige-se a hifenação antes de h no meio das palavras [...].»

No artigo, inclui-se também na pág. 47 um quadro intitulado "Nomes e símbolos temporários para os elementos de número atómico superior a 112", no qual figuram os nomes em questão1:

115 (número atómico) –