Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Tem um vídeo do YouTube, indicando que, em Portugal, não se permite registrar bebês com os seguintes tipos de nomes:

1) Estrangeirismos (na grafia e/ou na pronúncia)

2) Pós-Acordo Ortográfico de 1990 (na grafia e/ou na pronúncia mais uma vez)

3) Que ponham em dúvida o sexo do bebê (conheço pessoas masculinas e femininas ao mesmo tempo com o nome de Solimar, por exemplo)

Pois muito bem, isso tudo aí é procedente de verdade?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Quanto aos nomes próprios ou primeiros nomes que se dão aos bebés no ato do registo do nascimento, deve dizer-se que em Portugal a situação atual é de alguma diversidade na maneira como os serviços do Instituto dos Registos e do Notariado atuam perante nomes que não se enquadram na onomástica tradicional do país.

Na verdade, aceitam-se atualmente nomes com grafias estrangeiras, bem como nomes que podem aplicar-se a qualquer pessoa, sem distinção de sexo.

Citamos o linguista e filólogo João Paulo Silvestre, que sobre o assunto chega à seguinte conclusão num estudo publicado em 2021 sobre a tradição e as práticas de nomeação em Portugal:

«Considerando a evolução das duas últimas décadas, admitem-se vários focos de mudança para os próximos anos que suscitam questões de investigação. Do ponto de vista da escrita, a admissão de formas estrangeiras não adaptadas e diversas poderá suscitar interferências no sistema ortográfico, que se repercutem nos processos gerais de transposição de estrangeirismos. Numa perspetiva sociológica, a possibilidade de introduzir nomes estrangeiros não marcados pela tradicional separação entre nomes masculinos e femininos pode consolidar a opção por nomes neutros quanto ao género. Conservadora já não será a melhor descrição da onomástica portuguesa, se estes novos nomes e usos surgirem, no prazo de poucas décadas, a competir por posições de alta frequência na lista de preferências dos cidadãos.»

1João Paulo Silvestre, "A escolha de nome próprio", Études romanes de Brno, vol. 42, iss. 1, 2021, p. 231.

Pergunta:

Se munheca (em espanhol, muñeca) é sinônimo de boneca, quando e por que munhequeira virou nome de acessório protetor dos punhos?

A origem (etimologia) da palavra tem essa resposta na realidade?

Muitíssimo obrigado e um grande abraço!

Resposta:

Nos dicionários de português disponíveis em linha, não há registo de munheca como sinónimo de boneca.

Contudo, consigna-se munheca como adaptação do espanhol, muñeca, que significa «punho, pulso» (cf. aceção 8 de muñeca no dicionário da Real Academia Espanhola). É, pois, lógico entender munhequeira como um derivado de munheca, «pulso».

Pergunta:

Qual é a etimologia das palavras: esparrar, esparramar, espalhar e esparralhar?

Elas possuem a mesma origem, ou é uma coincidência que possuam significados próximos?

Obrigada.

Resposta:

Há de facto relação morfológica e etimológica entre os diferentes verbos mencionados na pergunta. Com efeito, embora não haja certeza, não é impossível que se devam a uma tradição que tornou a sequência espa(rr)- um elemento expressivo.

Assim:

Esparrar parece derivar de parra e ter adquirido o significado de «espalhar», tal como as parras, nos países onde elas existem, se alargam e crescem, permitindo serem aproveitadas para criar sombra.

Esparramar parece ser uma amálgama de espalhar e derramar.

Espalhar virá de palha, em alusão à palha que se dispersava no chão para fazer a cama dos animais.

Esparralhar será o resultado de esparrar e espalhar.

Todos estes verbos serão criações aparecidas depois do latim, já em contexto dialectal galego-português.

Fontes consultadas: Dicionário Houaissdicionário da Academia das Ciências de Lisboa e Cândido de Figueiredo, Novo Dicionário da Língua Portuguesa.

Pergunta:

Ouve-se com frequência a frase «o Roque e a amiga» quando se fala de duas pessoas que andam sempre juntas.

Já me disseram que vem do relacionamento de duas personagens de uma novela brasileira. É possível saber a origem da expressão?

Obrigada.

Resposta:

Vem do título de uma rubrica de um programa muito popular em Portugal, Pão com Manteiga, no final da década de 70 do século passado (cf. também Doutro Tempo).

A expressão encontra registo no Dicionário de Expressões Correntes (Notícias Editorial, 2000), de Orlando Neves, que a define assim:

«Roque e a amiga – Duas pessoas que andam sempre juntas e em desacordo permanente.»

Pergunta:

Vi recentemente grafada a palavra esmoronar.

Ausente do Dicionário Houaiss, pergunto: estará a palavra dicionarizada em outro léxico? Qual o seu significado? Será um simples sinónimo de "desmoronar"?...

Agradeço antecipadamente a vossa preciosa ajuda!

Resposta:

Encontra-se de esmoronar como variante de desmoronar no Novo Dicionário da Língua Portuguesa (1.ª edição, 1899), de Cândido de Figueiredo (este dicionário também pode ser consultado numa versão em linha). 

O verbo ocorre em alguns escritores portugueses e brasileiros:

(1) «Casualmente adreguei de passar pela saibreira esmoronada [...]» (Fialho de Almeida, Os Gatos, in Corpus do Português)

(2) «[...] como se ali se esmoronasse de repente todo o sonhado castelo de suas aventuras conjugais» (Bernardo Guimarães, A Escrava Isaura, ibidem)