Carlos Rocha - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Rocha
Carlos Rocha
1M

Licenciado em Estudos Portugueses pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, mestre em Linguística pela mesma faculdade e doutor em Linguística, na especialidade de Linguística Histórica, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Professor do ensino secundário, coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacado para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Qual o significado da palavra "siza". Eu a encontrei em um texto escrito na década de 1870, na seguinte frase: «...a meia siza foi recolhida...»

Resposta:

A forma siza será uma antiga variante ortográfica de sisa, que significa «imposto sobre transações de compra e venda ou dação em pagamento de troca de propriedade imobiliária; imposto de transmissão "inter" vivos» (Dicionário Houaiss).

Com efeito, o Thesouro da Lingua Portugueza, dicionário da autoria de Frei Domingos Vieira (1775-1855) e publicado em 1871, regista duas formas, sisa e siza. Mais tarde, a Reforma Ortográfica de 1911 atribuirá uma única grafia1, fixando a escrita do -s- medial, o qual, de acordo com um critério etimológico, reflete o -s- medial com que já se escrevia assise, termo do francês antigo que estará na sua origem e que significava «tributo imposto ao povo» (Dicionário Houaiss s.v. sisa). Por sua vez, a palavra francesa era o particípio passado substantivado de asseoir («assentar, colocar, pôr»), verbo que evoluíra do latim vulgar adsedēre, de sedēre, «estar sentado, assentar-se» (idem, ibidem).

 

1 Ver A. R. Gonçalves Viana, Vocabulário Ortográfico e Remissivo da Língua Portuguesa, 1913 (2.ª edição).

Pergunta:

Como classificamos as palavras «Invasões Francesas», nome próprio ou nome comum + adjetivo qualificativo?

Resposta:

Em relação ao período – 1807-1810 – durante o qual Portugal foi invadido três vezes pelas tropas napoleónicas, diz-se e escreve-se «Invasões Francesas», que é um nome próprio composto, formado  por um nome deverbal – invasão (de invadir) – e um adjetivo relacional – francesas, no plural –, com a função de complemento do nome.

Observe-se que invasão, como nome comum, é um nome eventivo (marca um evento) que deriva de um verbo, invadir (é, portanto, um nome deverbal)1. Assim como o sujeito deste verbo tem o papel semântico de agente («os Franceses invadiram Portugal»), também o nome derivado (invasão) pode ter associado um complemento com o mesmo papel semântico – caso de «dos Franceses» em «as invasões dos Franceses». Este complemento é frequentemente realizado por um grupo preposicional («invasões dos Franceses»), mas também é possível ocorrer um grupo adjetival – «invasões francesas» –com a mesma função sintática.

Acrescente-se que francês e as formas da sua flexão constituem não um adjetivo qualificativo, mas, sim, relacional, visto que francês deriva de um nome (França, um nome próprio), relativamente ao qual instancia uma relação de posse (francês =  «é da França, que pertence a este país»)2.

Convém dizer, por último, que a análise mais ou menos aprofundada de nomes próprios compostos como «Invasões Francesas» se pode justificar no ensino universitário, mas não no ensino secundário e muito menos nos primeiros anos da escolaridade.

1 Embora os radicais de invadir

Pergunta:

Na cidade da Marinha Grande existe uma localidade que surge com duas grafias diferentes: "Casal de Malta" e "Casal do Malta".

Há uns dias alguém justificava o uso de "Casal de Malta" com uma suposta ligação à ordem de Malta. A oralidade dos naturais muitas vezes torna imperceptível a distinção entre o "do" e o "da".

Conseguem ajudar-me nesta questão?

Resposta:

Não foi aqui possível obter informação segura sobre as origens do topónimo em questão.

Só com documentação relativamente antiga referente à região se poderá apurar alguma coisa acerca das suas origens. Pode-se, por exemplo, constatar que nas Memórias Paroquiais de 1758, na secção correspondente à Marinha Grande, não se regista nenhum topónimo igual ou semelhante a "Casal de/do Malta".

Poderá supor-se também que, como outros topónimos total ou parcialmente idênticos – os quais não parecem guardar nenhuma relação com a ordem de Malta, como são os casos de Malta e Quinta da Malta noutros pontos do país –, o atual topónimo Casal de/do Malta tenha começado por ser "Casal da Malta". Daqui poderia ter-se trocado da por de; depois, algum morador do lugar um proprietátio talvez, acabou conhecido como «o Malta»; e até pode pensar-se que, por fim, o de foi substituído por "do" em alusão a essa pessoa. Tudo isto são simples conjeturas, que exigem o seu confronto com os registos antigos deste nome de lugar.

Acrescente-se que malta, como nome comum que denota «conjunto ou reunião de pessoas de baixa extração social; escória, ralé» (Dicionário Houaiss), tem origem obscura. Há quem o relacione com a ilha homónima do Mediterrâneo, argumentando que daqui teriam saído trabalhadores para os campos europeus, mas o filólogo português José Pedro Machado considera que tal relação não foi historicamente comprovada (idem).

Pergunta:

Li numa das vossas respostas que um ditongo crescente é, na realidade, um falso ditongo porque a suposta sílaba é sempre passível de ser dividida em duas sílabas. Parece-me óbvio em história ou em viola, mas não sei como poderei fazê-lo nos ditongos presentes em quota ou quadro.

Outra dúvida tem a ver com uma semivogal entre duas vogais. Por exemplo, gaiato define-se como tendo três sílabas, com um ditongo decrescente: gai-a-to. Contudo, foneticamente, não vejo razão para não dividirmos de forma diversa, com ditongo crescente: ga-ia-to. A que sílaba pertence a semivogal i? À primeira ou à segunda sílaba? Não existe aqui uma ambiguidade natural?

Obrigado.

Resposta:

Numa análise abstrata dos sons da língua, diz-se que um ditongo crescente – são exemplos o ea de cear, o ia de miar, o oa de entoar ou o ua de suar , em que a primeira letra é frequentemente descrita como semivogal – é um «falso ditongo». Contudo, este termo requer alguma reflexão, porque é também verdade que os ditongos crescentes se realizam efetivamente na fala coloquial. Trata-se de uma questão de âmbito mais especializado, de cursos de linguística, que, pela sua complexidade, não é abordada no ensino não-universitário.

Numa análise fonológica, isto é, do ponto de vista da organização dos sons da língua como sistema de unidades sujeitas a certas regras ou restrições, não constituem ditongos sequências como ea (arear),  ia (piar) ou eo (geografia), tendo em conta que se relacionam morfologicamente com outras palavras em que a primeira letra de tais sequências são pronunciadas como vogais (pio1), como sequências com um i epentético (trata-se da inserção de um i para desfazer um hiato, caso de areia, que provém do arcaico area) ou de sequência em hiato (caso de outros usos do radical geo, como em geoestratégico, que geralmente soa "gè-ò-estratégico"). Contudo, na fala normal e rápida, a concretização (a realização fonética) destas sequências produz ditongos crescentes (o j representa aqui uma semivogal): ar[ja]r, p[ia]r, g[ju]grafia.

...

Pergunta:

1) Qual a grafia correta "baleia jubarte" ou "baleia-jubarte"? 

2) E o plural "baleias(-)jubartes" ou "baleias(-)jubarte"

Grato pela ajuda.

Resposta:

Os dicionários1 registam geralmente a forma jubarte como palavra simples e nome do género feminino que denota o Megaptera novaeangliae, um «cetáceo cosmopolita que produz complexas e extensas vocalizações, da família dos Balenopterídeos, atinge cerca de 16 metros de comprimento e apresenta o dorso negro, grandes barbatanas peitorais de cor branca, cabeça e mandíbula recobertas por pequenas protuberâncias irregulares e saliências na parte anterior da barbatana dorsal, alimentando-se de pequenos peixes e crustáceos» (Infopédia). Este animal é também chamado baleia-cantora, baleia-corcunda, baleia-corcova, baleia -de-corcova, baleia-de-bossas e baleia-preta.

Assinale-se, porém, que no Dicionário UNESP do Português Contemporâneo (2003) apesar de se consignar jubarte como entrada, se observa que o nome ocorre frequentemente associado a baleia, com a seguinte abonação: «As baleias jubarte procriam em Abrolhos.» Este registo sugere, portanto, que se escreve «baleia jubarte» sem hífen, comportando-se o todo como um composto formado por nome + nome, em que o segundo elemento, jubarte, marca um hipónimo (isto é, um termo com um campo referencial mais específico) e funciona, portanto, como adje...