Carlos Marinheiro - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carlos Marinheiro
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Carlos Marinheiro (1941–2022). Bacharel em Jornalismo pela Escola Superior de Meios de Comunicação Social de Lisboa e ex-coordenador executivo do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa. Colaborou em vários jornais, sobretudo com textos de análise política e social, nomeadamente no Expresso, Público, Notícias da Amadora e no extinto Comércio do Funchal, influente órgão da Imprensa até ao 25 de Abril.

 
Textos publicados pelo autor

Pergunta:

Gostaria de saber se possível porque não se encontra dicionarizada a palavra ininteligente, já que a encontrei em livros didáticos sobre literatura assim como no Portal de Língua Portuguesa, onde figura como adjectivo dos 2 géneros.

Obrigado.

Parabéns pelo sítio, é fenomenal.

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss e o Aulete Digital registam a palavra ininteligente (de in- + inteligente), mas, geralmente, os dicionários não acolhem estas palavras, dado o seu uso muito limitado, embora o vocábulo esteja bem formado, sendo baseado no seu antónimo (inteligente).1 A título de curiosidade, ininteligente já vem, pelo menos, do séc. XIX: «f[orma] hist[órica] 1877 inintelligènte

O adjectivo ininteligente significa «não inteligente; que demonstra ininteligência».

1 É possível que ininteligente seja decalque do inglês unintelligent, adjectivo formado pelo prefixo de negação un- e pelo adjectivo intelligent (agradecimentos ao consultor Luciano Eduardo de Oliveira por ter apontado este exemplo).

Pergunta:

Os cinco primeiros livros da Bíblia são também conhecidos pelo nome Tora. Aqui está a dúvida: é "Tora", ou "Torá"? Qual é o gênero? «O Tora (á)», ou «a Tora (á)»?

Sou-vos sempre muito grato!

Resposta:

A palavra Torá (com inicial maiúscula e acento agudo no a) é um substantivo (nome) feminino, da área da religião, tratando-se de «a lei mosaica» ou o «livro que contém essa lei, isto é, as escrituras religiosas judaicas, e conhecido como Pentateuco»; numa derivação por metonímia (e com inicial minúscula), é ainda «rolo manuscrito do Pentateuco, em couro ou pergaminho, us[ado] liturgicamente nas sinagogas, ger[almente] coberto por uma capa decorativa e guardado na arca sagrada».

Contudo, a palavra torá ainda é, como substantivo (nome) de dois géneros, em etnografia, «indígena pertencente ao grupo dos torás»; em linguística, na qualidade de substantivo (nome) masculino, é «língua da família linguística txapacura, falada pelos torás»; como adjetivo de dois géneros, significa «relativo a torá (...) ou aos torás». No plural (torás), e em etnologia, trata-se de «grupo indígena que habita o Sudeste do Amazonas (Área Indígena Torá e Terra Indígena Igarapé Sapoti)».

Etimologicamente, a palavra Torá (ou torá) vem do «heb[raico] tōrāh "id."; f[orma] hist[órica] a1536 toura, 1858 thoraths "lei mosaica", 1899 tora "tributo"».

Quanto a tora (regionalismo do Brasil), é «porção ou pedaço de alguma coisa; fatia» ou «grande tronco de madeira»; e, por extensão de sentido, é «cada uma das porções em que é cortado esse tronco». Trata-se, ainda, de termo militar de uso informal, com o significado de «carne do rancho que corresponde a cada marmita».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.]

Pergunta:

[A]gradeço [...] penhoradamente [ao consultor Carlos Marinheiro] pela sua gentil, atenciosa quão erudita resposta à minha consulta sobre a expressão «filtro amoroso».

Resta-me, todavia, uma última dúvida sobre este tema. Não entendo como a palavra filtro passou a ter também a acepção de «sortilégio, feitiço, beberagem para ganhar o amor de alguém», já que filtro é um utensílio usado para purificar ou coar alguma coisa, eliminando ou diminuindo as impurezas desta coisa, algo muito diferente, portanto, de um sortilégio. Esta a razão pela qual lhe peço este esclarecimento final.

Muito obrigado.

Resposta:

A palavra filtro, quando é oriunda do «lat[im] med[ie]v[al] filtrum, "peça de feltro usada para filtrar", pelo fr[ancês] filtre (1560), "aparelho através do qual se faz passar um líquido para livrá-lo de partículas sólidas"», significa, realmente, «aparelho ou material us[ado] na separação entre fluidos e substâncias sólidas» ou «aparelho destinado a separar um fluido (líquido ou gás) das matérias que nele se encontram em suspensão ou misturadas»; e não tem «a acepção de sortilégio, feitiço, beberragem para ganhar o amor de alguém».

Entretanto, o vocábulo filtro também pode vir do «lat[im] philtrum,i, "beberagem para despertar o amor", do gr[ego] phíltron,ou, "meio de se fazer amar, beberagem, poção, encantamento, feitiço", der[ivação] do v[erbo] gr[ego] philéō, "amar"»; e, neste caso, a acepção da palavra é (como já o era na origem) «beberagem com que se pretende despertar o amor» ou «meio de sedução, encanto, feitiço».

[Fonte: Dicionário Eletrônico Houaiss.]

Pergunta:

Qual a etimologia da palavra mancal?

Resposta:

O Dicionário Eletrônico Houaiss diz que o substantivo (nome) mancal é de «orig[em] obsc[ura]», mas «JM [José Pedro Machado] supõe provir de manco»; diz também que é o «mesmo que dobradiça ("utensílio")». Acrescenta que, em engenharia mecânica, é «peça, em geral de metal, com rebaixo cilíndrico ou esférico onde se aloja a ponta do eixo girante de uma máquina; chumaceira». Trata-se ainda (diacronismo antigo) de «disco de metal ou de pedra escavado no centro, que, assentado na soleira das portas, se destinava a receber o quício».

O Aulete Digital atribui-lhe, igualmente, uma «or[igem] obsc[ura]».

O Dicionário da Língua Portuguesa 2008, da Porto Editora, por sua vez, diz que a palavra vem «do lat[im] manicāle-, "de manga", de manĭca-, "manga; braçal"?». Considera, ainda, que mancal é «pau curto e ferrado que se atira ao alvo»; «peça do engenho de moer a cana»; «peça de metal formada por dois anéis unidos por um eixo, sobre o qual gira uma porta ou janela; dobradiça»; ou «suporte, geralmente feito de uma liga antifricção, onde gira o eixo ou veio de rotação; chumaceira».

N. E. — Agradecemos ao consulente Paulo Mário Beserra de Araújo (Rio de Janeiro, Brasil) a seguinte achega: «[...] [E]ncontrei esta palavra [mancal] na carta de Pero Vaz de Caminha, no trecho que transcrevo abaixo e que dá significado também a um tipo de jogo, definido este no Novo Diccionario da Lingua Portuguesa, de autor anônimo, editado em 1806, por F.R.I.L.E.L  (Francisco Rolland Impressor e Livreiro em Lisboa): «Mancal, s.m. Bordaõ curto ferrado nos extremos com que ...

Pergunta:

Qual a pronúncia correta de Medos (habitantes de Média): "médos", ou "mêdos"?

Resposta:

A palavra medo (adjectivo e substantivo [nome] masculino), quando significa «relativo à Média, região da Ásia, atualmente parte do Irã, ou o seu natural ou habitante; médico» ou, em linguística, «diz-se de ou língua falada pelos medos, uma das quatro principais do Império Medo-Persa, originária da antiga língua persa, do sub-ramo indo-iraniano da família indo-europeia», pronuncia-se com é aberto: [ˈmɛdu] (cf. Rebelo Gonçalves, Vocabulário da Língua Portuguesa, Aulete Digital, s. v. medos, bem como transcrições fonéticas do Grande Dicionário da Língua Portuguesa da Porto Editora e dicionário da Academia das Ciências de Lisboa).

A palavra vem do «lat[im] mēdus,a,um, "relativo aos medos; da Média, da Pérsia; de Partos" < gr[ego] mêdos,ou "relativo a Média"» (cf. Dicionário Eletrônico Houaiss).