Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Na frase «O aluno queixou-se do professor ao diretor», temos dois objetos indiretos («do professor» e «ao diretor»)? É correto?

Obrigado por esclarecer-me.

Resposta:

É correcto, do ponto de vista da Nomenclatura Gramatical Brasileira, que permite classificar como transitivo todo o verbo que necessita de um complemento que integra a predicação; por exemplo: «Comprei um automóvel»; «Queixar-se da chuva» (cf. Celso Cunha e Lindley Cintra, Nova Gramática do Português Contemporâneo, Lisboa, João Sá da Costa Editores, 1984, pág. 144).

De assinalar, contudo, que, entre gramáticos brasileiros, há outras perspectivas. Evanildo Bechara, por exemplo, na sua Gramática da Língua Portuguesa (36.ª edição, pág. 235), faz notar o seguinte:

«A NBG [Nomenclatura Gramatical Brasileira], a bem da simplicidade, reúne sob a denominação única de objeto indireto complementos preposicionados verbais de naturezas bem diversas: o objecto indireto propriamente dito, em geral encabeçado pelas preposições a ou para (escrevi aos pais), o complemento partitivo, em geral encabeçado pela preposição de (lembrar-se de alguma coisa) e o complemento de relação, também encabeçado, em geral, pela preposição de (ameaçar alguém de alguma coisa). Isto nos leva a compreender a presença de dois objetos indiretos numa mesma oração como:

Queixa-se dos maus-tratos ao diretor.»

Assim, e de acordo com Bechara, o constituinte «do professor», no exemplo que o consulente indica, seria definido como complemento relativo1, enquanto Celso Cunha e Lindley Cintra o classificariam como um complemento indirecto, pois é um complemento que se liga ao verbo por meio de uma preposição. Quanto a «ao professor», trata-se de um objeto indireto na ótica de ambas as gramáticas.

Pergunta:

Como fica a negativa da frase «Chegou o dia em que o Manuel teve de ir para a escola»?

Resposta:

A frase que indica é uma frase complexa constituída por uma subordinante, «Chegou o dia», e por uma subordinada, «em que o Manuel teve de ir à escola». Nas frases complexas, é possível a negação dos predicados de cada oração constituinte. Ao fazermos a negativa da frase, poderemos colocar o advérbio de negação não nas seguintes posições:

a) «Não chegou o dia em que [o Manuel teve de ir para a escola].»

b) «Chegou o dia em que [o Manuel não teve de ir para a escola].»

(Neste caso, transmite-se a ideia de que o Manuel deixou de ir à escola definitivamente e não apenas por um período.)

c) «Não chegou o dia em que [o Manuel não teve de ir para a escola].»

Pergunta:

Gostava de saber se a palavra sua, na expressão «à sua espera», é pronome ou determinante possessivo.

Muito obrigada pela atenção.

Resposta:

É determinante possessivo, porque determina um substantivo, no caso, espera. Se fosse um pronome, apareceria sozinho a retomar um substantivo na mesma frase ou noutra na mesma instância de discurso: «A minha bagagem foi revistada, mas a sua não.» «A minha bagagem estraviou-se. O que aconteceu à sua?»

A forma sua tanto é um determinante possessivo como um pronome possessivo. Aplica-se aos possuidores da 2.ª (forma de tratamento você/vocês) e da 3.ª pessoa (ele, ela, eles, elas). Os determinantes e os pronomes possessivos estão, portanto, estreitamente relacionados com os pronomes pessoais; enquanto os pronomes pessoais denotam as pessoas gramaticais, os possessivos acrescentam à noção de pessoa gramatical uma ideia de posse, isto é, indicam o que pertence a essas pessoas.

Em determinados complementos nominais, o pronome pessoal tónico que deve seguir a preposição é normalmente substituído pelo pronome possessivo correspondente:

«à espera dele/de vocêsua espera».

De forma a evitar a ambiguidade, quando se trata de referir a 3.ª pessoa, prefere-se a substituição de seu(s)/sua(s) pelas formas dele(s) ou dela(

Pergunta:

Gostaria de saber qual das seguintes frases está correcta: «O João extorquiu dinheiro ao Manuel», ou «O João extorquiu dinheiro do Manuel»?

Muito obrigado.

Resposta:

O verbo extorquir é um verbo transitivo defectivo. Pode significar «obter ou tirar alguma coisa a alguém, recorrendo a meios abusivos ou violentos», «fazer extorsão», «separar» ou «retirar». Este verbo, de acordo com o Vocabulário e Regime Preposicional de Verbos (Lisboa, Didáctica Editora, 1999), de Cármen Nunes e Leonor Sardinha, é regido pela preposição a (x extorquiu algo a alguém): «O homem extorquiu dinheiro à mulher mais rica da Alemanha.»

Pergunta:

Como classificar «de ti» na frase «O tempo cuidará de ti»?

Como poderá a expressão «de ti» ser substituída por um pronome?

Resposta:

O verbo cuidar, no sentido de «tomar conta de alguém», «preocupar-se por», tem regência, isto é, tem um complemento introduzido pela preposição de. Por conseguinte, «de ti» é o complemento preposicional ou oblíquo do verbo cuidar. E, apesar de possível, não é obrigatória a substituição de «por ti» por um pronome, porque ti já é um pronome e a forma adequada depois de uma preposição.

Explicando um pouco melhor, os pronomes pessoais classificam-se como tónicos e átonos. De acordo com a função desempenhada pelo pronome, este pode adquirir diferentes formas. No caso do pronome em questão (tu), este pode adquirir as seguintes formas:

tu — sujeito, predicativo do sujeito ou vocativo;
te — complemento directo;
(a) ti; te — complemento indirecto;
ti, tigo — complemento modificador preposicional.

A forma ti é uma forma oblíqua tónica que se usa apenas antecedida de preposição ou locução prepositiva:

«Gosto de ti.»/«Falaram bem de ti.»/«Passei por ti ontem.»/«Ele convidou-te a ti.»/«Estou atrás de ti.»

Na função de complemento regido de preposição, esta forma refere-se à segunda pessoa gramatical e indica a pessoa a quem se dirige a mensagem, no tratamento por tu.

Com o verbo cuidar, o pronome ti na expressão «de ti» pode ser substituído pelo pronome te, traduzindo-se em expressões com significado equivalente, em casos como:

«Cuida-te.»
«Cuida de ti.»