Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Tenho dúvidas em relação ao emprego do hífen nas seguintes palavras: "servo-motor" e "servo-assistência". Qual a regra nestes casos?

Obrigado.

Resposta:

O elemento de formação servo- provém do latim servus e exprime a noção de dependência ou auxílio. Tendo em atenção que servo- se associa não só a elementos de origem latina mas também aos que têm origem grega ou outra, tem cabimento a sua classificação como pseudoprefixo ou prefixóide.

Visto o Acordo Ortográfico de 1990 (AO90, Base XVI) estipular que prefixos e pseudoprefixos terminados em vogal se separam com hífen do segundo elemento apenas se este começar por vogal igual ou h, deverão escrever-se sem hífen as palavras em questão: servomotor e servoassistência.

Assinale-se, porém, que, antes da adopção do AO90, a hifenização dos pseudoprefixos nem sempre era coerente. Deste modo, os dicionários consultados, nos quais se aplicam regras anteriores ao AO90, acolhem algumas palavras que têm por prefixo servo-: servofreio, servomecanismo, servocomando, entre outras. O Dicionário Houaiss descreve mesmo o elemento de formação servo- como constituinte de tecnicismos (sublinhado nosso): «[...] nos tecnicismos servocomando, servodireção, servofreio, servomecânico, servomotor, servossistema e semelhantes, o antepositivo apresenta a ideia de subserviência, dependência entre diversos mecanismos.» Vemos, portanto, que a palavra servomotor (de servo + motor) se encontra registada num dicionário geral, sem hífen antes de um segundo elemento começado por consoante.

No entanto, quanto à ...

Pergunta:

Quantos verbos há na frase «É preciso saber viver»?

Resposta:

O sujeito da frase é «saber viver», ou seja, a frase tem um sujeito explícito, tal como em «saber conduzir é preciso», o sujeito é «saber conduzir». «Saber viver» são duas formas do infinitivo dos verbos saber e viver e formam só por si uma oração, porque tradicionalmente saber é um verbo auxiliar, formando com um verbo principal (neste caso, viver) uma locução verbal. A expressão forma uma oração substantiva reduzida de infinitivo com sujeito nulo uma vez que os infinitivos não flexionados têm sujeito nulo. Por seu lado, o predicado da frase «é preciso saber viver» é constituído por «é preciso1». A frase tem assim três formas verbais que desempenham funções diferentes na frase.

1 Preciso é adjectivo (cf. Dicionário Houaiss).

Pergunta:

Na frase «O João ofereceu uma prenda», o verbo é transitivo directo, mas o verbo oferecer é transitivo directo e indirecto. Como é que é suposto os alunos classificarem então este verbo? Devem classificar os verbos no contexto das frases em que surgem, ou saber a subclasse dos mesmos, sem se preocuparem com estes exemplos?

Resposta:

O verbo oferecer selecciona um complemento directo (coisa oferecida) e outro indirecto (pessoa a quem se oferece):

«O João ofereceu uma prenda à Ana.»

Neste caso, o verbo é classificado como bitransitivo, uma vez que canonicamente permite três argumentos na sua estrutura argumental: sujeito e dois complementos.

No entanto, verbos bitransitivos como oferecer podem na sua estrutura canónica ter um dos argumentos internos suprimidos, o que pode ser representado pelo uso de parênteses:

«O João ofereceu uma prenda (à Ana).»

Neste exemplo, o verbo é considerado transitivo directo. O argumento suprimido nunca é o objecto directo, mas, sim, o objecto indirecto. A  supressão do objecto indirecto não prejudica a gramaticalidade da frase, fazendo que a total compreensão da mesma dependa do seu conhecimento do contexto extralinguístico.

Ao contrário do que acontece como objecto indirecto, a supressão do objecto directo altera a gramaticalidade da frase:

* «O João ofereceu à Ana.»

Por conseguinte, se os alunos souberem que o verbo tem este comportamento, nada impede que se refiram à subclasse do mesmo, independentemente do contexto.

Pergunta:

Gostaria de explicar com algum detalhe a formação da palavra edafoclimático, que é usada frequentemente em agronomia, para descrever as condições de solo e de clima de uma determinada região.

Antecipadamente grato.

Resposta:

A palavra edafoclimático não se encontra registada em dicionários gerais de língua. No entanto, é uma palavra possível linguisticamente, apresentando a seguinte estrutura:

prefixo edaf(o) + climat + ique (do francês climatique), pelo português clima(t) + -ico (Dicionário Houaiss).

O prefixo  edaf(o) provém do grego edaphos, e significa «solo, pavimento, fundo (do mar, do rio, etc.)» (Dicionário Hoauiss).

Pergunta:

Sou tradutora de ficção e estou actualmente a traduzir um romance que gira em torno da Internet e da linguagem da Internet. Gostaria de saber se é legítimo usar em português os termos postagem e postado, referentes a comunicações publicadas em blogues e ciberjornais, por exemplo.

Antecipadamente grata.

Resposta:

Em princípio, os termos mais adequados serão publicação e publicado, uma vez que designam o acto de publicar. Em português, a palavra post pode ainda ser traduzida por entrada ou artigo, visto a sua adaptação para português como poste e os seus derivados postar, postagem ou o particípio passado postado ainda são opções não registadas nos dicionários de língua portuguesa. De qualquer dos modos, não se trata de formas ilegítimas, dado o verbo postar já existir na língua portuguesa com o significado de «colocar alguém num dado lugar ou num posto, para ali permanecer algum tempo»: «O general postou a sentinela na muralha» (ver Dicionário Houaiss). Como regionalismo no Brasil, significa «pôr no correio, enviar ou expedir»: «Ele postou a carta» (idem).