Carla Viana - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Viana
Carla Viana
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Carla Viana é licenciada em Linguística e mestranda em Linguística Computacional pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.

 

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

Qual é a forma mais correcta: continuamente, ou continuadamente?

Resposta:

Os dois advérbios são palavras existentes na língua portuguesa e encontram-se registados no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa.

O advérbio continuadamente é sinónimo de continuamente, mas é constituído pelo adjectivo participial continuado seguido do sufixo -mente, por exemplo:

«Mesmo sem que percebamos, aprendemos continuadamente até o último dia de vida.»

 

Quanto ao advérbio continuamente, deriva de contínuo + sufixo -mente e pode significar «sem paragem ou interrupção», «de forma continuada ou de modo contínuo», sendo equivalente aos advérbios constantemente, continuadamente e ininterruptamente:

«Os EUA vão crescer continuamente

Assim, concluindo: não existe uma ou outra forma mais correcta, uma vez que ambas podem ser usadas, pois são advérbios existentes na língua portuguesa. E, de facto, como são palavras sinónimas, não há contraste entre contextos em que se pode aplicar uma e outra.

 

Por exemplo, continuamente pode ser usado para referir algo que não é interrompido dentro de um tempo estipulado (Ex. «Ela faz a jornada continuamente.» (repare-se que o substantivo modificado é «jornada contínua»), que se prolonga sem remissões at...

Pergunta:

No exemplo «O João foi-se embora», que aparentemente poderá ser substituído por «O João foi embora», coloca-se a seguinte questão: o se é um pronome reflexo, ou uma partícula de realce?

Obrigado.

Resposta:

Acho preferível a utilização da frase «O João foi-se embora», com a presença do pronome reflexo. No entanto, a frase «O João foi embora» é admissível, sobretudo no português do Brasil.

Na frase «O João foi-se embora», o verbo ir é pronominal, mas, na frase «O João foi embora», é intransitivo. Quando tem o significado de «pôr-se a caminho, sair, deixar ou partir» e é acompanhado do advérbio embora, que lhe reforça o sentido, o verbo ir costuma ser pronominal, ou seja, é conjugado com os pronomes átonos reflexos me, te, se, nos, vos.

A partícula se presente no verbo ir é, pois, um pronome pessoal reflexo. No entanto, ir-se não é um verbo reflexivo, uma vez que a acção não recai sobre o próprio sujeito («foi-se embora a si próprio» é agramatical), antes torna a expressão da acção mais enfática. Por consequência, diz-se que, nesse contexto, o se perdeu o valor e é uma mera partícula, fazendo parte do verbo. Quanto a saber se a partícula se é de realce, a gramática de Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pás. 548/549) não a inclui nesse tipo de partículas, apesar do seu valor enfático.

Pergunta:

Gramaticalmente, qual é a forma mais correta de se dizer: «este livro pertence a Joaquim» ou «este livro pertence ao Joaquim»?

Resposta:

Ambas as formas são correctas, mas o uso varia do português europeu para o português do Brasil.

Na frase que o consulente indica, o verbo pertencer selecciona um complemento indirecto, que é o sintagma preposicional «ao Joaquim»:

x (sujeito) pertence a y (complemento) 

A expressão correcta em português europeu é a oração em que ocorre a crase do determinante definido o com a preposição a (ao):

«Este livro pertence ao Joaquim.» 

Enquanto o português europeu, em sintagmas nominais em posição de argumento, exige a presença do artigo definido, o português do Brasil permite a sua ausência:

«Este livro pertence a Joaquim.»

De notar que a presença ou ausência da contracção ao pode ainda resultar da escolha entre um estilo mais formal, em que não se usa o artigo («pertencer a Joaquim»), ou por um registo mais informal, em que se usa o artigo e se verifica a contracção entre o artigo o e a preposição a («pertence ao Joaquim»).

Pergunta:

Quem poderia me dar um exemplo de eufemismo em uma poesia?

Resposta:

O termo eufemismo tem origem grega (euphemismos, e significa «bem dizer») e inicialmente era utilizado para designar a dissimulação de sentimentos desagradáveis, de pensamentos cruéis ou de palavras-tabu, que se evitam através do recurso a uma linguagem com expressões mais suaves, sem se perder o sentido original da expressão. O eufemismo é uma figura de estilo que permite a substituição de uma expressão rude ou desagradável por uma outra que ameniza ou suaviza o discurso:

Camões, Os Lusíadas: «ir para outro mundo» (em vez de morrer); «Tirar Inês ao mundo determina» (em vez de matar).

Gil Vicente, Auto da Barca do Inferno: «Para o porto de Lúcifer» (em vez de inferno). 

Álvares de Azevedo: «Era uma estrela divina que ao firmamento voou!» (em lugar de morreu).

Pergunta:

Como se deve dizer/escrever: «Uma vez por outra...», ou «Vez por outra...»?

Tenho lido a segunda expressão apenas em publicações brasileiras. Como sou "meio-brasileira" (linguisticamente falando), fico um pouco confusa sobre como devo dizer.

Os meus parabéns pelo vosso excelente trabalho.

Resposta:

A expressão correcta e registada no Dicionário de Língua Portuguesa Contemporânea, da Academia das Ciências de Lisboa, é «uma vez por outra». Esta locução adverbial refere-se a «em uma ocasião ou outra», diferindo de raramente ou de «de vez em quando». Este dicionário também regista as expressões «uma que outra vez» e «uma vez ou outra» como locuções adverbiais sinónimas da expressão «uma vez por outra».