Carla Marques - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Carla Marques
Carla Marques
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Doutorada em Língua Portuguesa (com uma dissertação na área do  estudo do texto argumentativo oral); investigadora do CELGA-ILTEC (grupo de trabalho "Discurso Académico e Práticas Discursivas"); autora de manuais escolares e de gramáticas escolares; formadora de professores; professora do ensino básico e secundário. Consultora permanente do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, destacada para o efeito pelo Ministério da Educação português.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

A minha dúvida prende-se com a seguinte frase: «Um livro fala de amor.» Esta frase está correta?

Quando se identifica o tema de um livro, de um texto, na minha opinião, a expressão correta é «o livro, o texto trata, aborda, apresenta», entre outras expressões.

Grata antecipadamente por uma resposta.

Resposta:

Não poderemos afirmar que a frase esteja incorreta.

Aliás, se consultarmos o dicionário1, veremos que se prevê a utilização do verbo falar com o valor de «ter como assunto, como tema», apresentando-se a seguinte frase como exemplo:

(1) «Este livro fala do aparecimento da vida no planeta.»

Se procurarmos a construção num motor de busca, identificamos inúmeros casos de utilização, inclusive em sinopses de obras literárias, como se observa em (2):

(2) «Metade deste livro fala de amor e a outra metade também...» (sinopse de Metade, metade https://www.planetatangerina.com/pt-pt/loja/metade-metade/ , de Isabel Minhós Martins e Madalena Matoso)

Não obstante, poder-se-á considerar que a construção «falar de» é demasiado generalista ou pouco elegante para um texto que tenha um fim, por exemplo, mais académico. Nesse sentido, será de recorrer a construções que são consideradas mais ajustadas a esses fins, tais como as que a consulente sugere: «tratar de», «abordar», «apresentar».

Disponha sempre!

 

1.Consultou-se o Dicionário da Língua Portuguesa, da Academia das Ciências de Lisboa.

O acrónimo ONU
Processos irregulares de formação de palavras

A professora Carla Marques aborda o tema da formação irregular de palavras, atentando no caso do acrónimo ONU.

(Apontamento divulgado no programa Páginas de Português, da Antena 2)

Pergunta:

A frase «Tens mesmo de vir visitar-me em Como (cidade italiana)» está correta?

Ou será antes «Tens mesmo de vir visitar-me a Como»?

Obrigada.

Resposta:

É possível combinar o verbo visitar com as duas preposições. Todavia, o sentido será ligeiramente diferente.

Com a preposição a, como em (1), ativa-se um sentido de movimento direcional:

(1) «Tens mesmo de vir visitar-me a Como.»

A preposição a caracteriza-se por indicar o lugar final do movimento, neste caso a cidade de Como.

Com a preposição em, como em (2), marca-se a mudança de lugar:

(2) «Tens mesmo de vir visitar-me em Como.»

Como explicam Raposo e Xavier, a «preposição locativa em adquire um valor parcialmente dinâmico, na medida em que assinala o lugar que o tema passa a ocupar, perspetivando-o como o resultado de uma mudança a partir de um lugar ocupado anteriormente»1.

Como se pode concluir, não estamos perante uma distinção profunda de significados, pelo que no uso quotidiano as diferenças entre as duas construções tendem a esbater-se.

Disponha sempre!

 

1. Raposo et al., Gramática do Português. Fundação Calouste Gulbenkian, p. 1543.

Pergunta:

Já li frases do tipo: «Foi uma situação algo incrível», «Ela é uma pessoa algo insuportável», «Foi um jogo algo impossível de se ganhar».

Como se justifica o uso de algo nas frases retromencionadas, ou seja, qual é o valor morfossintático do algo naquelas frases?

Resposta:

Nas frases em questão, algo é usado como advérbio de quantidade e grau.

A palavra algo pode ser usada como um pronome indefinido, como acontece em (1):

(1) «Algo lhe chamou a atenção.»

Por fim, algo pode ser usado como um advérbio que se associa a um adjetivo para exprimir o grau relativo, como acontece nas frases apresentadas pelo consulente. 

Disponha sempre!

Pergunta:

Se é possível «comparecer por carta, procuração, videochamada» ou «videoconferência», «comparecer pessoalmente» não pode ser pleonasmo vicioso/redundância viciosa!

Concordam?

Muitíssimo obrigado.

Resposta:

Com efeito, a construção «comparecer pessoalmente» pode ser entendida como redundante.

 O verbo comparecer tem o significado de «apresentar-se em (determinado lugar) pessoalmente» (Dicionário Houaiss). De acordo com esta significação, quando a comparência em determinado local é feita pela própria pessoa, torna-se redundante associar o advérbio pessoalmente ao verbo comparecer

Disponha sempre!