Pergunta:
A frase seguinte pode ser considerada correta: «Do modo como ando e ando, andei»?
O cerne da minha dúvida centra-se na repetição da forma verbal ando intercalada pela conjunção coordenativa copulativa e. Do mesmo modo, na mesma linha de raciocínio, poderia dizer «E falei e falei e falei e falei e ele não me ouviu»?
Além disso, há ainda um caso semelhante que, para mim, é mais aceitável: o do mais. Por exemplo, «Correu mais e mais, até que chegou à meta», «Comeu mais e mais e mais até engordar».
Não vos parece que a expressão «mais e mais» tem o mesmo sentido de «cada vez mais» e pode-se tratar aqui de uma influência da sintaxe inglesa? Notem os exemplos: «Simply by going on and on...« ou «She wants more and more...».
Aguardo o esclarecimento das minhas dúvidas. Votos de um ótimo trabalho!
Resposta:
As construções em causa não constituem erro e, embora possam ser sentidas como redundantes, podem corresponder a um uso com intenções estilísticas.
Assim, entre as construções apresentadas, a que se transcreve em (1) será a que se sentira como mais estranha, o que resultará talvez da seleção de tempos verbais:
(1) «?Do modo como ando e ando, andei.»
«Andei» descreve uma situação localizada num intervalo de tempo passado, o que não parece muito compatível com a descrição de uma situação durativa no presente «ando e ando». Não obstante, uma frase como a que se apresenta em (2) é perfeitamente aceitável:
(2) «Normalmente, calcorreio a cidade a pé: ando e ando sem parar.»
A mesma aceitabilidade se aplica à frase que inclui a estrutura «falei e falei».
Quanto à construção «mais e mais», exemplificada na frase (3), consideramos que é também aceitável de ponto de vista da expressividade estilística:
(3) «Comeu mais e mais e mais até engordar.»
Para além disso, não poderemos dizer que se trata de uma influência do inglês, uma vez que em escritores do século XIX já encontramos registo deste uso, como se exemplifica abaixo1:
(4) «Ora se elles não vivem, se não vivem, se parodiam a Vida a cada instante, se fogem mais e mais da grande Vida, a Arte é uma parodia de parodia, um espectro d' espectro.. miserável!» (Eça de Queirós, A Cidade e As Serras. 1901)
(5) «Não paliava os abusos dos conventos, não cobria os defeitos dos monges, acusava mais severamente que ninguém a sua relaxação; mas sustentava que, removido aquele tipo da perfeição evangélica, toda a vida cristã ficava sem norma, toda a harmonia se destruía, e a sociedade ia, mais depressa e mais sem remédio, precipitar-se no golfão do materialismo estúpido e brutal em que todos os vínculos sociais apodreciam e caíam, e em que ma...