Ana Carina Prokopyshyn - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
Ana Carina Prokopyshyn
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Ana Carina Prokopyshyn (Portugal, 1981), licenciada em Línguas e Literaturas Modernas (2006) e mestre em Linguística Geral pela FLUL (2010). Desde 2010 frequenta o doutoramento em História Contemporânea (Lusófona e Eslava). Participou com comunicações e a nível da organização em várias conferências internacionais, e presta serviços em várias instituições como professora de Português para estrangeiros, tradutora e revisora. Atualmente é leitora de Língua e Cultura Russa I e II na mesma universidade e investigadora no Centro de Línguas e Culturas Lusófonas e Europeias. Colabora como consultora de língua Portuguesa no Ciberdúvidas desde 2008.

 
Textos publicados pela autora

Pergunta:

As mudanças linguísticas são o conjunto de alterações da língua, ao longo da sua evolução histórica.

Ocorre devido a factores internos e externos:

Factores internos são condições de mudança dentro da própria estrutura da língua.

Os factores internos são:

Simplificação — a língua torna-se menos complexa.

Complexificação — a língua torna-se mais complexa.

Derivação — tendência que as línguas da mesma família têm para tomarem o mesmo sentido de mudança.

Gostaria de saber exemplos de simplificação, complexificação e derivação que tenham ocorrido no português da época moderna.

Resposta:

O que nos pede a consulente é deveras audacioso, dada a interinidade do português moderno. Um estudo de um período da história da língua implica uma passagem, uma variação ou mudança diacrónica, ou seja, apesar de a língua estar em constante modificação, a variação histórica ou diacrónica só pode ser devidamente estudada e analisada quando se dá uma fase de transição. Ora, vivendo nós no período do português moderno, podemos observar pequenas simplificações, complexificações ou derivações, principalmente na oralidade, o que não significa que são características do português moderno; podem ser variações diatópicas ou regionais, diastráticas ou sociais, situacionais, ou mesmo de registo individual. Só quando transitarmos para um novo período do português é que poderemos estabelecer evoluções. Por outro lado, simplificações, complexificações e derivações podem ocorrer aos vários níveis da gramática (morfologia, sintaxe, fonologia, etc.), e estas mudanças podem resultar da combinação de diferentes factores de mudança: os factores internos, constituídos pela própria estrutura da língua, e os factores externos, de natureza sobretudo geográfica e social.

Daremos então, a título exemplificativo, alguns dados observáveis mais canónicos, apesar de instáveis e não significativos do português moderno até que se transite para um novo período:

i. Simplificação
a) Podemos dizer que em português europeu as formas verbais na segunda pessoa do plural (vós) são cada vez menos usadas, apenas se mantendo em certas regiões de Portugal. Nos registos formais é preferida a terceira pessoa do plural.
b) O mesmo acontece com o futuro simples, que já caiu em desuso na oralidade, estando cada vez mais reservado aos registos escritos. Na oralidade é preferida uma forma perifrástica (ir + infinitivo).

Podemos dizer ...

Pergunta:

O termo logomarca sempre foi utilizado em Portugal, ou é mais uma invenção brasileira (equivocada) exportada para a terrinha?

Resposta:

A palavra logomarca aparece registada em vários dicionários da língua portuguesa, logo, é uma palavra pertencente à língua portuguesa, que, apesar da variação, é a mesma em Portugal e no Brasil. Por ser uma palavra recente, não encontrámos a sua origem em dicionários menos recentes, e os dicionários etimológicos mais recentes indicam apenas que é um composto formado com «logo + marca».

Se se tratasse de um regionalismo brasileiro, encontraríamos essa indicação, o que não foi o caso. Conclui-se, desta forma, que logomarca é também uma palavra do português europeu, e não um regionalismo brasileiro.

Pode-se, no entanto, afirmar que a palavra logótipo é mais usada, mas isso não significa que seja uma palavra genuinamente portuguesa; por acaso até vem do francês, logotype, e apenas existe há mais tempo que logomarca. Regist{#|r}amos abaixo as entradas para -log(o)-, logótipo e logomarca de alguns dicionários.

Dicionário Etimológico Nova Fronteira:
«-log(o)-, elem. comp., derivado do gr. logos 'palavra, estudo, tratado', que se documenta em compostos formados no próprio grego, como astrologia (gr. astrología) e astrológico (gr. astrologikós), (...), e em vários outros voc.s introduzidos na linguagem científica internacional, a partir do séc. XIX - logoGRAF-ia| -phia 1858|| logo-GRÁF-ICO|-phico 1873|| (..) logoTECNIA| -chnia 1858|| logoTIPOXX.»

Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa:
«Logomarca; n substantivo feminino Rubrica: publicidade. 1 con...

Pergunta:

Quero convencer um amigo meu de que a frase «ele é amicíssimo meu» está incorrecta. O correcto é: «Ele é muitíssimo meu amigo.» Como posso explicar-lhe que a frase dele (a 1.ª) está incorrecta?

Resposta:

A frase «ele é amicíssimo meu» não é aceite pela norma, apesar de ocorrer marginalmente em certos registos.

A explicação para esta agramaticalidade deve-se ao facto de a palavra «amigo» ser um substantivo, podendo ser precedido por um artigo, uso exclusivo dos substantivos (ex.: «Ele é o meu amigo»; «Ele é um amigo meu»).
 
A natureza lexical da palavra amigo é também evidente por se encontrar precedida por um pronome possessivo, conforme nos descreve Cunha e Cintra (2005:320):

«Os PRONOMES POSSESSIVOS acrescentam à noção de pessoa gramatical uma ideia de posse. São, de regra, pronomes adjectivos, equivalentes a um adjunto nominal [...]  O PRONOME ADJECTIVO POSSESSIVO precede normalmente o substantivo que determina [...] O PRONOME POSSESSIVO não exprime sempre uma relação de posse ou pertinência, real ou figurada. Na língua moderna tem assumido múltiplos valores, por vezes bem distanciados daquele sentido originário.[...] Variados são os matizes afectivos expressos pelos POSSESSIVOS. Servem, por vezes, para acentuar um sentimento: [...] – Não há nada mais certo, meu amigo (...).

Os pronomes possessivos precedem normalmente um substantivo, e os substantivos não variam em grau. É, portanto, ilícito que a palavra «amigo» esteja no superlativo ou noutro grau qualquer, pois não é um adjectivo: *«Ele é meu amicíssimo.»

O advérbio muito em «ele é muito meu amigo» não está a modificar a palavra «amigo», neste caso um substantivo, mas sim toda a expressão «meu amigo», sendo que o pronome possessivo meu tem um valor adjectival afectivo. Assim é possível dizer «ele é muito/muitíssimo meu amigo», mas não *«ele é amicíssimo meu/meu amicíssimo».

Pergunta:

Gostaria de saber o significado da palavra "Scallabis" ou "scalabis". Sei que foi um dos nomes de Santarém, mas não encontro uma tradução ou significado para estas palavras

Obrigada!

Resposta:

O Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado, regista as palavras Scalabis e Escalábis, mas não nos dá o significado delas:

«Scalabis, top. ant., nome pré-romano de Santarém (q.v.) mencionado em Plínio, Nat. Hist. (IV, 117), no Itin. Anton. e em C.I.L, II, p. 35, 85, 813, 1030. Os Romanos chamaram-lhe Praesidium Julium. De idioma pré-romano, mas não parece celta. Séc. XVI: «A quinta colonia era a cidade Scalabis, que he Santarem a que os antigos também chamauão Prâsidium Iulium», D. Nunes de Leão, Descrição do Reino de Portugal, cap. 8, p. 48, ed. de 1785. Ver Scabelicastro.

Scabelicastro (...) Escalabicastro, top. séc. XVI: «& o sempre enobrecido/ Scabeliscastro...», Lus. (III, 55), forma exigida, como parece, pela métrica. Este será o «cruzamento de Calibicastro (por ex., em Duarte Galvão...) com o latim tardio Scalabiscastrum», segundo o Voc. Ver o comentário de Epifânio Dias àquele passo dos Lus.

Escalábis, top. Aportuguesamento do nome romano de Santarém. Do lat. Scalăbis (Plínio, Nat. Hist. IV, 117), de origem obscura. Séc. XVIII, em Bocage, I, p. 344.

Escalabitanos, etn. Do lat. Scalabitănos, os habitantes de Scalabis. Como adj. no séc. XIX: o grande palácio escalabitano», Garrett, Viagens na Minha Terra, II, cap.º 37, p. 121»

Procurámos ainda no mesmo dicionário a palavra Santarém, de modo a ver a sua etimologia:

«Santarém, top. Cidade no Riba...

Pergunta:

Tentei encontrar um significado para a palavra Caramão, mas nem na Infopédia nem na Priberam, nem aqui encontrei nada... Se for pelo Google, encontro N significados para camarão, mas isto deve ser algum "inginheiro" da Google a achar que a palavra foi mal escrita e procura anagramas.

Obrigado!

Resposta:

O consulente tem toda a razão, também procurámos a palavra em vários dicionários em linha, mas sem resultados, apesar de a palavra estar registada em vários corpora do português, como é o caso do corpus do CETEMPúblico, entre outros, que podem ser encontrados através de uma simples pesquisa no Google por: « corpus do português». Contudo, isso não nos dá o significado da palavra, apenas nos prova que ela existe; além disso, se fizermos uma nova busca para "Caramão" através do mesmo servidor, e restringirmos a selecção no campo «páginas de Portugal»,  encontramos várias referências relativamente ao topónimo em questão, isto é, ao Caramão da Ajuda, em Lisboa, algumas delas com mapas, fotografias e tudo.

Quanto ao significado, podemos encontrá-lo, sim, em suporte de papel, como, por exemplo, no Dicionário Onomástico Etimológico da Língua Portuguesa, de José Pedro Machado (1993:346):

«Caramão 1, top. Lisboa. Está por Carmão, talvez de Calmon (em 1195); notar a Ladeira do Cramão (Gouveia). Ver J. da Silveira, na R. Lus., 38.º, p. 290. Origem Obscura (Céltica? ligado, como aumentativo de Caramos, q. v.?)

Caramão 2 apel. (D. N. de 8-VII-1981, p. 8) Ant. alc. De Caramão 1.

Caramos, top. Felgueiras. Parece que a forma ant. era Caramalos ou Caramaros, em 1220 (Inq., pp. 73, 121, 164) e 1270 (D. M. P., I, pp. 180  e 182) e talvez também pré-céltica. Uma história local (sem valor científico) explica o nome com «uma grande batalha em 1060, nos Campos da Veiga, de "cara dos Mouros", de onde