Entrevista a José Mário Costa sobre a importância do Vocabulário Comum da Língua Portuguesa pós-Acordo Ortográfico. E onde se fala, também, da inexistência, para o português, de uma entidade como a Fundéu, para a hispanofonia. Ver ainda Falta vocabulário comum na língua unificada + Perguntas ainda sem resposta, in Diário de Notícias de 4 de Janeiro de 2009.
Para o jornalista José Mário Costa, notável combatente da língua portuguesa e impulsionador do tão precioso como desprotegido Ciberdúvidas, a principal questão que se coloca no período pós-Acordo Ortográfico é a do Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, por se tratar de «uma obra vital para a aplicação do Acordo e para a legitimação de toda a bibliografia que vier a ser publicada». Até porque — especifica — o texto que aprovou o presente Acordo Ortográfico «é omisso na fixação futura de uma série de palavras, que ainda não sabemos se ficam na variante brasileira, se na do português de Portugal ou se mantêm a dupla grafia» (como acontece, por exemplo, com escutismo e escotismo, comummente e comumente, hífenes e hifens).
Por isso, referindo-se ao facto de o Brasil anunciar, já para Fevereiro ou Março, o seu Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, José Mário Costa entende que uma obra como o Vocabulário Comum da Língua Portuguesa, «pela importância estratégica que terá no âmbito do idioma oficial dos oito países integrantes da CPLP, não pode ser produto de uma só parte, no caso o Brasil, como está a suceder».
E está a suceder, acrescenta, «por manifesta inacção de Portugal e uma continuada subalternização dos países africanos de expressão oficial portuguesa», podendo a situação vir a determinar a continuada fragmentação do português «em duas ortografias oficiais, se não mesmo em mais, tendo em conta a realidade ainda mais complexa dos PALOP».
José Mário Costa espera que o Governo português («que em boa hora promulgou o Acordo Ortográfico e que acaba de aprovar um plano estratégico para a promoção e divulgação da língua portuguesa, finalmente colocada no mesmo plano superior estratégico em que se encontram, há muito, o francês e o espanhol»), inverta «a curto prazo» essa situação. Para isso, defende a ideia de uma comissão mista que, com o Brasil e «a indispensável participação» dos países africanos lusófonos, tome a cargo a elaboração desse Vocabulário Comum, nele incluído toda a terminologia científica e técnica.
«Cabe a Portugal dar passos concretos nesse sentido, e muito rapidamente», advoga o responsável do Ciberdúvidas, que aponta para outra lacuna: «A inexistência de uma autoridade para o português, dinâmica e actuante, especialmente junto dos órgãos de comunicação social, motor das mais aceleradas transformações da língua, vezes de mais a reboque da pressão descaracterizadora do inglês e de muita ignorância e desamor pelo idioma nacional.»
José Mário Costa dá «o excelente exemplo» de Espanha, que, «para defesa e promoção do espanhol, de Espanha e de toda a América Latina de expressão oficial castelhana», criou a Fundação para o Espanhol Urgente (Fundéu).
«A língua portuguesa — sublinha — precisa de uma entidade semelhante, e Portugal deve ter também aqui um papel activo.» E justifica: «Pese o excelente trabalho de várias iniciativas, como o ILTEC, a Associação Portuguesa de Terminologia ou o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que é um projecto como não há outro em toda a lusofonia, falta uma entidade reguladora do português em todo o espaço da CPLP, como acontece com a Fundéu para toda a hispanofonia, com a indispensável capacidade de coordenação e força de jure».
in Diário de Notícias de 4 de Janeiro de 2009