Crónica de Ricardo Araújo Pereira onde sobressai a ironia sobre a pobreza da linguagem de ataque pessoal dos políticos portugueses, desrespeitando as normas gramaticais da concordância (sujeito e predicativo do sujeito) publicada na coluna do autor, na revista Visão de 16 de Fevereiro de 2012.
Da lista de queixas sobre a falta de qualidade da nossa classe política não costuma constar a pobreza dos insultos que os políticos portugueses dedicam uns aos outros,. Mas devia: são ofensas pobres, sem imaginação nem conteúdo político, e pouco ou nada ultrajantes. Não se admite que gente com experiência e talento para a oratória não seja capaz de produzir um vitupério que afronte verdadeiramente, um opróbrio que avilte a sério, uma ignomínia que aleije. E quem acompanha a política portuguesa percebe que não é por falta de motivos que os insultos não abundam. Os últimos casos de injúria política revelam uma tendência que intriga ao mesmo tempo que preocupa. O alvo do vilipêndio tem sido um grupo de pessoas que é minoritário e razoavelmente desprotegido: as tias dos dirigentes do Bloco de Esquerda. «Manso é a sua tia», disse Sócrates a Louçã no ano passado. «Salazar é a sua tia», atirou Santana Lopes a Fernando Rosas ainda há uma semana. São insultos muito ineficazes e que só ouvimos da boca de gente pueril, como frequentadores do ensino primário ou parlamentares. Todo o resto da população prefere insultos mais fortes e maduros.
A presença das tias nos insultos dirigidos a bloquistas acaba por ofender ape4nas a língua portuguesa. quando aventaram a hipóteses de uma tia poder ser Salazar ou manso, Sócrates e Santana foram menos incorrectos com Louça e Rosas do que com a gramática. Não ofenderam os seus interlocutores, melindraram o prof. Lindley Cintra. O insulto dirigido à tia tem em consideração que uma referência à mãe seria demasiado grave, e que dizer «manso é uma tua prima por afinidade» não chega a magoar. É uma ofensa propositadamente mediana, que escolhe um familiar importante mas não tanto que possa fazer mossa. Nem ofende o outro nem permite que o próprio desabafe como deve ser. Uma vergonha. No entanto, pode tornar-se politicamente grave. Quando pretendeu ofender com moderação a tia de Louça, Sócrates insultou., na verdade, e com alguma violência, a mãe de Vítor Gaspar. O ministro das Finanças é primo de Francisco Louça e, portanto, a sua mãe é tia do bloquista. O antigo primeiro-ministro chamou manso à mãe do actual ministro das Finanças. Até que enfim: uma ofensa ao mais alto nível político dirigido à progenitora. Mas quando, finalmente, temos um insulto com potencial, o agressor e o ofendido estão em países diferentes.
[Ricardo Araújo Pereira escreve de acordo com a antiga ortografia.]