Que efeitos produz a falta de adequação do nível de língua às situações formais de elocução? É o tema da crónica de Ana Martins no Sol.
Ninguém fala sempre, a toda a hora, da mesma maneira. O falante comum activa — ou devia activar — vários estilos de expressão em função de um vasto número de propósitos e de acordo com diferentes circunstâncias de comunicação. Esta constatação vem contemplada nas gramáticas escolares e nos programas de Português sob a designação de «níveis de língua»: nível popular, familiar, corrente, cuidado, literário, a que se juntam o tecnolecto e a gíria. Daqui até fazer com que o aluno não fique refém de apenas um estilo de elocução — aquele com que fala com os familiares e amigos — vai um passo de gigante. Esta dificuldade explica-se pelo facto de as normas de comportamento linguístico — de que o domínio das formas de tratamento é apenas uma ínfima parte — dependerem da inserção do indivíduo em grupos profissionais e sociais, bem como de circunstâncias comunicativas variadas — factores que, na sala de aula, só podem ser recriados artificialmente.
Não esperamos que o défice de adequação do nível de língua ao contexto de comunicação afecte o falante adulto, escolarizado e profissionalmente integrado e, no entanto, não raro lemos passagens como estas:
«Assumindo os galões de antiga ministra das Finanças, Ferreira Leite lembrou que sempre defendeu que quando as contas públicas tivessem uma folga deviam servir para diminuir os impostos (…)» (Diário de Notícias, 8/01/09);
«Durante esse período apanhámos com três bombas da aviação israelita (...) os palestinianos nem pestanejaram quando uma bomba caiu a um quilómetro deles» (declarações do eurodeputado Miguel Portas, de visita ao sul de Gaza, Público, 12/01/09).
Pode ser que um dia o leitor, puxando dos galões de cidadão de direito, sem pestanejar, ponha a correr quem lhe dá as notícias e o representa numa linguagem de café da esquina.
Artigo publicado no semanário Sol de 17 de Janeiro de 2009, na coluna Ver como Se Diz.