Os propósitos da criação neológica — o tema do artigo de Ana Martins no semanário Sol.
Porque é que os nossos políticos falam por palavras que não existem? Bom, não é rigoroso dizer que não existem. É melhor dizer que são palavras que não estão atestadas nem em dicionários nem em corpora (conjuntos de textos, devidamente organizados, que servem a análise linguística).
Passemos aos exemplos.
«Não quisemos um aparelhista do partido. Quisemos um universitário, um homem da cultura (…)», disse José Sócrates quando apresentou Vital Moreira como cabeça-de-lista nas eleições europeias (Lusa, 14/04/09). Na verdade, entre carreirista e boy socialista, a melhor opção ainda é aparelhista.
O Governo insiste nos «financiamentos sem fundo da especulação e do "gangsterismo" económico», acusou Francisco Louçã (Lusa, 19/07/09), evitando sabiamente o termo roubalheira, através do qual o professor universitário Vital Moreira se revelou ao mundo.
«No Parlamento, há uma espécie de paroquialização dos temas que se tratam e esquece[m]-se», constatou Assunção Esteves (Lusa, 23/03/09), eurodeputada do PDS, sendo que a paroquialização acontece quando os aparelhistas atiram acusações de gangsterismo ao aparelho dos outros.
Os lexicógrafos não dão importância nenhuma a palavras deste tipo, porque, em geral, elas nunca chegam a generalizar-se. Mas o estudo das causas e dos efeitos da invenção irrefreável de palavras pode gerar teorias interessantes. Hipótese A: os nossos políticos são detentores de uma realidade que só eles conseguiram captar, realidade que não cabe em palavras correntes. Hipótese B: os nossos políticos procuram que os outros pensem que eles estão a ter um discurso original. Hipótese C: os nossos políticos têm um grave défice lexical; o seu vocabulário não vai além das 1500 palavras.
Atire o leitor um palpite, que acerta.
Artigo publicado no semanário Sol, de 8 de Agosto, na rubrica Ver como Se Diz.