Heather Jean Brookes, investigador da Universidade de Stanford (Califórnia), num artigo da revista Discourse & Society, demonstra que na imprensa britânica domina um discurso estereotipado sobre África. África é retratada como um bloco homogéneo onde imperam a violência, a corrupção e o desrespeito pelos direitos humanos. Um dos itens de análise de Brookes passa, inevitavelmente, pela observação dos padrões de selecção de vocabulário.
E na imprensa portuguesa? É inquestionável que, por cá, há muita gente maltratada na imprensa. São as próprias "vítimas" que o dizem e, depois, há jornais televisivos que fecham.
Mas olhemos para uma notícia, de um jornal português, que tem africanos como protagonistas: «Criança sobrevive oito dias entre animais selvagens» (JN, 27/08/09). É a história de um rapaz que se perdeu da família quando atravessava ilegalmente a fronteira de Moçambique com a África do Sul. Todas as personagens são retratadas neutralmente, à excepção da mãe: para ela estão reservados verbos comummente aplicados para referir animais ou objectos: «Alex (…) nunca mais foi visto pela mãe, entretanto capturada pelas autoridades» (de notar que em nenhum momento da notícia é dado a inferir que a mãe da criança estivesse em fuga); e mais adiante: «A mãe (…) foi, então, utilizada para localizar o filho, subindo a um monte e berrando o seu nome.»
Racismo? É pouco provável. Só um insuficiente conhecimento do léxico do português. Uma notícia destas baralhava logo os dados da análise do professor de Stanford.
* artigo publicado no semanário Sol, de 11 de Setembro, na rubrica Ver como Se Diz.