Toda a gente sabe que o antónimo de certo é errado, de culpado, inocente, de torto, direito. São os chamados antónimos dicotómicos. Mas há também os antónimos seriais, que assentam numa escala graduada: há duas palavras que se situam nos extremos de uma dada área de referência e de permeio há termos que captam diferentes graus. Por exemplo, há o par gelado — escaldante, mas de permeio há frio, tépido, morno, quente. Dizer que uma coisa não está quente não equivale a dizer que ela esteja fria; dizer que algo não é mau, não equivale a dizer que seja bom.
E as palavras verdade e mentira: que tipo de antónimos serão?
Quando lemos «A Direcção de Informação (DI) da RTP (…) entendeu ontem atacar este jornal com base numa inverdade e num preconceito.» (Público, 11.10.2007), ficamos a saber que, segundo o Público, a direcção da RTP faltou à verdade, disse uma meia verdade ou, simplesmente, mentiu?
Será que, no que toca a dizer algo que é falso, o que distingue inverdade de mentira é o facto de mentira corresponder a um acto intencional e inverdade não? Mas, então, a expressão omitir a verdade, que designa um acto intencional, equivale a mentir ou (só) a sugerir o falso?
Sabemos que no discurso, dos media ou não, há sempre uma atitude preventiva, em que se procura evitar rupturas ou cisões. Usar um termo mais brando, como inverdade, protege tanto a face de quem fala como a de quem ouve (sobretudo se este for mesmo mentiroso).
A cortesia é uma prática social bem aceite e reflecte-se na língua. Mas que a dulcificação das palavras não oculte o que elas sempre significaram. Os dicionários dizem: uma inverdade é uma mentira. Verdade — mentira são antónimos dicotómicos. Não há meio-termo.
E vale a pena lembrar: as grandes tragédias mundiais fundaram-se sempre, não em inverdades, mas em monumentais mentiras.
Artigo publicado no semanário Sol de 20 de Outubro de 2007, na coluna Ver como Se Diz