A Sogrape é um dos maiores e mais consagrados produtores de vinho nacionais. Está presente não apenas nas principais regiões vitivinícolas portuguesas, mas também já na Argentina, na Nova Zelândia, no Chile. Nunca, aliás, bebi um vinho da Sogrape que me decepcionasse. Posso gostar mais ou gostar menos do perfil, mas nunca me aconteceu não gostar de um vinho Sogrape, achá-lo um mau vinho ou sequer regular.
O vinho é hoje um sector muitíssimo profissionalizado onde nada é deixado ao acaso. A exigência vai da escolha dos terrenos ao estudo das castas, à preparação dos enólogos, às técnicas de cultivo e de fabrico, ao formato das garrafas, ao design dos rótulos... Num aspecto, porém, a exigência fica aquém do nível de excelência de tudo o resto: o cuidado tido com a língua portuguesa nos rótulos e contra-rótulos das garrafas, nos anúncios, nos folhetos de divulgação. Transcrevo aqui um exemplo extremo disso mesmo retirado de um anúncio de página inteira publicado no n.º 262, de setembro de 2011, da Revista de Vinhos, publicitando o Colheita, da Herdade do Peso, a marca que a Sogrape possui no Alentejo:
Herdade do Peso Colheita
Ele há coisas extraordinárias a acontecer lá para os lados da Vidigueira, mais concretamente na Herdade do Peso. A Microzonagem, é uma delas. Esta, é uma técnica que consiste na divisão da Herdade em diversos terroirs, e destes, em pequenas parcelas de terreno, de acordo com os seus níveis de humidade, constituição, estrutura e relevo dos solos e temperatura média. Para quê? Para retirar de cada metro quadrado de solo alentejano, um pouco mais de Alentejo. É que com este parcelamento, consegue-se adaptar cada casta a cada pedaço de terra, dando-lhe o ambiente ideal para que desenvolva ao máximo as suas capacidades, surpreendendo até o mais exigente dos apreciadores.
O resultado, são vinhos que assumem o carácter único, de uma região única. Este Alentejo profundo está à sua espera em cada uma das nossas garrafas. Obviamente, fazendo uma sesta.
PROFUNDAMENTE ALENTEJANO
O texto é pedagógico, até mesmo cuidado no estilo, e o seu teor reflete o profissionalismo de que falámos. Porém, e como facilmente se pode perceber, a utilização da vírgula é trágica! Há vírgulas obrigatórias, facultativas e outras absolutamente proibidas. Nos casos que assinalo a vermelho, os mais graves, e que em tão pequeno texto constituem um padrão de escrita, comete-se o pecado verdadeiramente capital de separar o sujeito do predicado, nalguns casos em frases curtas ou muito simples. A vírgula delimita orações e elementos de uma oração e marca geralmente uma pausa de curta duração. Mesmo não conhecendo as regras, bastaria, em caso de dúvida, a leitura em voz alta, para se perceber a absoluta inutilidade das vírgulas assinaladas a vermelho.
Mais uma vez, não se entende como ao longo de toda a cadeia de produção e divulgação do texto ninguém tenha detectado estas falhas! Primeiro, por parte de quem redigiu o texto – ademais que duas delas são assinaladas pelo corrector sintáctico do Word. Segundo, por parte de quem aprovou o texto para publicação. Terceiro, por parte de quem concebeu o anúncio. Quarto e último, por parte de quem o publicou. Nestas duas últimas instâncias seria, aliás, exigível a existência de algum tipo de controlo e de copidesque, mesmo para a publicidade.
Cf. 5 bons motivos (e 10 regras) para usar corretamente a vírgula
N.E. – O não uso da obrigatória vírgula no vocativo – seja quando ela representa um chamamento, um apelo, uma saudação ou uma evocação* – generalizou-se praticamente no espaço público português, dos órgãos de comunicação social à publicidade .Por exemplo, aqui, aqui, aqui, aqui ou aqui. Uma incorreção várias vezes esclarecida no Ciberdúvidas – vide Textos Relacionados, ao lado –, assim como noutros espaços à volta da língua portuguesa.
Cf. entre outros registos: Vocativo + Vocativo: uma unidade à parte + O uso da vírgula no vocativo, Vocativo – uma questão de vírgula + A vírgula do vocativo – Exemplos de vocativo no início, no meio e no fim da frase + 5 bons motivos (e 10 regras) para usar corretamente a vírgula.
* Por regra, no discurso direto e, geralmente, em frases imperativas, interrogativas ou exclamativas.