« (...) A paisagem linguística de um bairro comercial periférico em qualquer um dos países da CPLP pode assemelhar-se do ponto de vista da sua algazarra visual, do uso de múltiplos recursos não-verbais, da criatividade na invenção de nomes comerciais, muitos deles jocosos e engraçados, do modo como são usadas as estratégias comunicativas para chamar a atenção para os produtos à venda. (...)»
No século XXI, os modos de comunicação e de interação no mundo tornam-se mais complexos e incorporam variadas formas de significação, e não apenas a linguagem verbal. A multimodalidade, uma característica da comunicação contemporânea, representa o uso de diferentes linguagens na construção das nossas interações cotidianas, incluindo linguagem verbal, visual, sonora, sensorial, entre tantas possibilidades de significação possíveis. O universo virtual, possibilitado pelo advento das tecnologias digitais, tem sido o espaço onde as práticas de linguagem multimodais encontram o seu lugar de desenvolvimento mais criativo e produtivo, mas não só. Um exemplo disso são as paisagens linguísticas.
A paisagem linguística representa os variados modos de uso das línguas/linguagens nos espaços sociais e públicos das cidades, revelando que as nossas sociedades são cada vez mais multilíngues, multiculturais e globalizadas. No amplo espaço da língua portuguesa, podemos imaginar a enorme diversidade cultural das suas paisagens linguísticas, que revelam não apenas os modos como nos dizemos no mundo em português, mas também o entrelaçamento com outras línguas e recursos semióticos. A paisagem linguística de um bairro comercial periférico em qualquer um dos países da CPLP pode assemelhar-se do ponto de vista da sua algazarra visual, do uso de múltiplos recursos não-verbais, da criatividade na invenção de nomes comerciais, muitos deles jocosos e engraçados, do modo como são usadas as estratégias comunicativas para chamar a atenção para os produtos à venda. No entanto, esses espaços diferem em relação às referências linguísticas, culturais, históricas e ideológicas. Em Maputo e Luanda, as línguas nacionais compõem a paisagem junto com o português, além de outras línguas como o inglês. No mesmo bairro na Praia ou em Bissau, serão as línguas crioulas que dominarão o espaço, juntamente com outros recursos semióticos, como imagens, sons, entre outros. Em Portugal, as paisagens linguísticas das aldeias do interior revelam um universo bem diferente das cosmopolitas Lisboa e Porto, por exemplo, representando os modos como as suas gentes, mesmo em um país pequeno como Portugal, revelam-se através da linguagem. No Brasil plurilíngue, um bairro comercial em algumas cidades do Sul do país certamente terá uma paisagem linguística que mescla as línguas de imigração com o português, assim como as fronteiras brasileiras com os países hispânicos são espaço de criação e de diversidade em “portunhol”. E o que dizer da grande São Paulo, a cidade mais multicultural e multilíngue do Brasil? Ou Salvador, cuja paisagem linguística é pura referência às culturas afro-brasileiras?
Bem, se você ainda não leu a paisagem de sua cidade e de outras que visitar, faça-o! Vai descobrir que o mundo inteiro está logo ali, diante de nossos olhos.
[AUDIO: Edleise Mendes – Paisagens linguísticas]
N. E. – Na imagem, Cartão Postal, 1928, de Tarsila do Amaral (1886-1973).
Crónica da linguista Edleise Mendes (Universidade Federal da Bahia) para o programa Páginas de Português, na Antena 2, em 24 de abril de 2022.