Extrato transcrito do livro Curso de Literatura Portuguesa (Lisboa, 1876, p. 104).
São os sermões do padre António Vieira uns riquíssimos minérios do mais fino ouro pelo que respeita à linguagem. Ninguém reuniu em poucas páginas tantas palavras rubricadas pelos mestres que o precederam. As opulências que Vieira aditou à prosódia constituiriam o idioma português no alto ponto das línguas mais ricas, se já então houvéssemos entrado em comunhão de ciências com a Europa, e tivéssemos adaptado à nossa índole glótica os termos facultativos. O seu modo de adjectivar é irrepreensível; a propriedade do epíteto é nele tão original, que a não podemos derivar nem de Camões nem de Barros. Explende-lhe do génio; bafeja-lha a ironia, o sarcasmo, o que quer que fosse de mais avançada cultura, em um meio social de mais complicadas paixões. Quem se votasse à agradável tarefa de colher palavras e frases nos sermões de Vieira, desenredando-as do sarilho vicioso em que ele as invencilhava, formaria um florilégio, um bastantíssimo vocabulário e selecta prosódia para exercício de primorosa escrita. Porém, com tamanha e tão variada opulência de cores, o padre Vieira deleitava-se em pintar a caricatura da eloquência sagrada.
in Curso de Literatura Portuguesa, Lisboa, 1876, p. 104, de Camilo Castelo Branco