Na comunicação social em Portugal, tem-se feito referência à saída de algumas comentadoras políticas de programas de televisão, e disso dá sinal uma crónica publicada no Expresso em 13/10/2025: «Estarão as mulheres de esquerda a ser silenciadas?». Independentemente da pertinência da crítica que nela se faz, e entre os argumentos políticos e sociais, escapa uma gralha linguística que merece reparo.
Lê-se nesse texto: «[...] põem o dedo em feridas comuns que não convêm sarar num Estado de direita.»
O verbo convir, com acento circunflexo, está aqui conjugado na 3.ª pessoa do plural do presente do indicativo. Porém, o sujeito da frase não é plural. Trata-se de uma oração infinitiva: «sarar num Estado de direita»; e quando o sujeito é oracional, a norma gramatical exige concordância no singular. Portanto, a forma correta seria: «[...] feridas comuns que não convém sarar num Estado de direita.»
Um deslize compreensível, sobretudo em construções mais complexas, mas que não convém deixar passar – sobretudo num texto que se propõe pôr o dedo em feridas.
Nota: Há aqui uma pequena complicação sintática, isto porque o facto de o verbo convir aparecer entre o pronome relativo que e o verbo sarar, pode dificultar a análise da estrutura da frase. Entre o pronome relativo que e o verbo que ele seleciona, sarar, interpõe-se o verbo convir. Esta é uma característica de certos verbos que exprimem atitude mental ou apreciação, como saber, parecer, convir, entre outros. Compare-se: «As feridas que convém sarar...» com «As feridas que eu sei que saram».