É consensual considerar que existe bom e mau jornalismo. Assume-se que o jornalismo pode oscilar entre o entretenimento e a informação séria, entre o sensacionalismo e o relato de factos relevantes. Mas este é um juízo que normalmente é apresentado como assentando no senso comum.
Há, no entanto, marcas linguísticas específicas do discurso tablóide. Comparemos duas notícias on line, publicadas ambas pouco depois da meia-noite do dia 8/08/08, dando conta do desenlace do sequestro no BES, em Campolide, Lisboa. Uma notícia é do Correio da Manhã (CM), a outra é do Público.
No CM é notória a concentração e repetição de palavras do campo lexical de crime: só nos dois primeiros parágrafos, a palavra tiro é usada quatro vezes, morte, três vezes, a par de arma, matar e sangue. Os termos neutrais sequestro e assalto, no Público, correspondem, no CM, a drama e pesadelo. Expressões coloquiais, como «assinar a sentença de morte», «estar entre a vida e a morte», «atirar a matar», ausentes no texto do Público, marcam lugar no do CM.
Aqui, o jornalista assume a perspectiva dos reféns, optando por recorrer a verbos designativos de pensamentos e emoções, conjugados na 3.ª pessoa: «A gerente da agência bancária e o funcionário tremeram (…).». A adjectivação concorre para o mesmo efeito: «uns longos 38 minutos». A operação da libertação dos reféns é dissecada na sequência cronológica de acções expressas por verbos no presente: «dispara — cai — foge — atinge — suja de sangue — precipitam-se — é atingido». Pelo contrário, o texto do Público apresenta uma formulação sintética da acção, através de orações subordinadas: «Os dois reféns correram em direcção aos polícias que dispararam três vezes contra os assaltantes».
Para os leitores desejosos de emoções vivas, o Público remete para os canais de televisão: «…informação que se pode comprovar nas imagens que estão a ser transmitidas em directo na televisão». Já o CM procura fazer as vezes dessas imagens. Em casos como este, devia ser obrigatório colocar um aviso no topo da notícia, a dizer: «Este texto contém cenas eventualmente chocantes».
Artigo publicado no semanário Sol de 25 de Agosto de 2008, na coluna Ver como Se Diz.