« (...) No Norte de Portugal, o V é pronunciado como /b/. Assim ‘vaca’ é /báca/, ‘avenida’ é /ab’nída/ e o verbo ‘vivenciava’ sai /bibenciába/. (...) »
Se chegares a Lisboa e pedires um /pastéu di beléim/, de cara, os lisboetas saberão que você é /brasilairo/. O lusitano diria /pashtél’ di b’lãim/. Podemos escrever igualmente a maioria de nossas palavras, mas a fonética entrega quem é quem.
O Brasil conservou muito da antiga pronúncia portuguesa, mas, quanto à pronúncia, a língua que nos irmana evoluiu um /bucadínhu/ diferente na Europa, cheia de peculiaridades. Por isso, quem não se atentar aos detalhes, deixará nítido em sua fala que não é nativo de /Purtugál’/.
Sem querer esgotar todas as diferenças entre a pronúncia das variantes portuguesa e brasileira, trago-lhes cá algumas características marcantes da fala lusitana (sem entrar muito no mérito dos dialetos).
Não é difícil para o português pronunciar a vogal E como /a/ em várias situações. (O certo era representar esse som como /ɐ/, que é um /a/ mais puxado para o /e/, mas vou simplificar as coisas.) Assim, ‘queijo’ é falado /káiju/; ‘cortejo’ fica /kurtáju/ ou /kurtáijo/; ‘joelho’ sai /juálhu/ ou /juáilhu/.
As palavras terminadas com EM também seguem essa tendência, ficando /ãim/ no final. ‘Amém’, ‘também’ e ‘armazém’ são graciosamente pronunciadas /amãim, tambãim, armazãim/.
O E átono é suprimido ou trocado por /i/. ‘Teresa’ é pronunciado /t’rêza/ e ‘quebrado’ fica /k’bradu/. ‘Existência’ e ‘elefante’ são pronunciados /izishtência/ e /il’fanti/. Que /ivuluçãu/!
Em palavras terminadas com a sílaba LE, esse E nem é pronunciado. ‘Pele’ sai como /pél’/ e o país Chile fica /chil’/. Num poema, as palavras ‘sol’ e ‘mole’ rimam. Lembremos que o L final não é pronunciado /u/ como se faz na maior parte do Brasil. Aqui, dizemos /rafaéu/, mas em Portugal dizem /rafaél’/, tocando a língua atrás dos dentes.
A vogal O átona assume som de U. ‘Corajoso’ fica /kurajôzu/; ‘adoração’ é falado /aduraçãu/. ‘Moral’ e ‘mural’ acabam se confundido, pois ambos são pronunciados /murál’/. Vemos esse fenômeno acontecer em muitos dialetos do Brasil, como o mineiro, no qual ‘Rodrigo’ e ‘tomate’ saem facilmente /rudrígu/ e /tumáti/. “/Ó, gushtai!/”
Há ainda a diferença do nosso O fechado (/ô/) que na versão portuguesa é O aberto (/ó/) em muitas palavras. Falamos e escrevemos ‘Amazônia’, mas no português europeu se escreve e se diz ‘Amazónia’. Dizemos /neurôniu/, mas os portugueses, /neuróniu/.
Quanto às consoantes, o S português em final de sílaba é sempre chiado, igual ao S carioca. O mesmo vale para o Z final. A frase ‘os meninos descascaram dez bananas’ é dita /ush m’nínus dishcashcáram désh banânash/.
No Norte de Portugal, o V é pronunciado como /b/. Assim ‘vaca’ é /báca/, ‘avenida’ é /ab’nída/ e o verbo ‘vivenciava’ sai /bibenciába/. Frases como ‘a vela bela’ são problemáticas: /a béla é béla/.
Por fim, na maioria da /pupulaçãu/, as sílabas DI e TI não são chiadas como se diz em grande parte do Brasil, com o mesmo som de ‘jeans’ e ‘tchau’. Para ‘dia’ e ‘tia’, não se diz /djia/ nem /tchia/; é /dia/ e /tia/, também tocando a língua atrás dos dentes.
Ah, e o R é sempre vibrado na pronúncia tradicional (/rrrunáldu/!), mas muitos portugueses, principalmente em Lisboa, já se inclinam para o R falado como o H inglês: ‘house’, (/ráus/).
Bom, acho que já deu para sentir um pouquinho dos contrastes de pronúncia. Há ainda as diferenças de palavras e seus significados, que vale a pena aparecerem numa futura /pustájãim/.
Apontamento transcrito com a devida vénia do mural Língua e Tradição (Facebook, 20/01/2024).