A consciência de que a covid-19 levou já mais de um milhão de vidas deixa o ser humano profundamente doente, não física, mas mentalmente.
A palavra doença, originária do latim dolentia, traz consigo o sentido de algo «que aflige» ou «que provoca dor». Estar doente é sofrer. Isto é o que faz o coronavírus na sua ação desenfreada que leva humanos atrás de humanos. O vírus provoca o sofrimento de quem fica doente e de quem vê partir.
Esta doença tem, contudo, outros contornos e estende a sua significação à própria sociedade, que está, também ela, doente, carregada de problemas mentais. De depressões e medos, de terrores e pânicos. Esta doença é já uma disfunção da psique social que parece atingir com acuidade alguns líderes mundiais, como bem o demonstram os Estados Unidos ou o Brasil.
Esta é uma doença tentacular que perturba o funcionamento dos organismos individuais e coletivos e que não deixa ainda entrever as suas reais consequências.
Por isso, todos ambicionamos pela cura. Não no seu sentido etimológico de «cuidar» ou «vigiar», mas no sentido mais moderno de encontrar tratamento para as maleitas da doença. Para que tudo volte ao normal, corpos, pessoas, organizações, líderes e países. Para que tudo volte ao antigo normal e não ao novo normal, porque também este está doente.
(Áudio disponível aqui)
Apontamento da autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 4 de outubro de 2020.