A abolição do tratamento pelos títulos académicos entre os deputados municipais de Torre de Moncorvo – à luz «da democracia republicana e da revolução francesa, de onde saíram os princípios da liberdade, fraternidade e igualdade», como ficou lavrado na respetiva deliberação – haveria de agradar particularmente ao jornalista Afonso Praça (1939-2001), ele que «praticava uma língua tersa que soa melhor quando vem carregada de pronúncia transmontana». Crónica do autor, na sua coluna “Um ponto é tudo”, no “Diário de Notícias" de 5 de julho de 2014, que a seguir se transcreve na íntegra, com a devida vénia.
O jornalista Afonso Praça, que morreu em 2001, gostaria de o saber. Trabalhei com ele no semanário O Jornal e na revista Visão, e ele que foi diretor de O Jornal da Educação e de O Bisnau, jornal humorístico, tudo a ver, praticava uma língua tersa que soa melhor quando vem carregada de pronúncia transmontana. Usava também os colarinhos da camisa abertos e uns olhos sorridentes, próprio de quem não se leva a sério, sinal de quem sabe muito bem o que vale, e valia muito. Seria doutorado ou licenciado, o Praça? Pois não sei. De algumas conversas, com os seus amigos de mais conversa, o Rogério Rodrigues e o Assis Pacheco, presumi que tenha passado por seminários e pela Faculdade de Letras de Lisboa. Eu sabia e sabíamos todos na redação é que o seu português escrito era exato – era a ele que recorríamos nas dúvidas, quando ainda não havia Ciberdúvidas. Doutor, o Praça? Nem simples Dr.? Pois não sei. Era o Praça, o sábio. Ele, que era de Torre de Moncorvo, gostaria de saber que os da assembleia municipal da sua terra decidiram esta semana, e por unanimidade, ser iguais. Acabou o «o senhor doutor se me permite» e o «senhor engenheiro que me perdoe». Todos são nome de cidadão, e só, ou são o que os traz ali, deputados municipais. Um concelho com freguesias com nomes limpos, Adeganha e Cardanha, Horta da Vilariça e Castedo, Urros e Peredo dos Castelhanos, merece que os seus eleitos tirem a gravata da língua.