O mau emprego do verbo gostar sem preposição antes de um substantivo ou de um infinitivo abordado nesta crónica do autor à volta dos usos do português em Angola.
«Nada disso. Aliás, o problema é exactamente este. Para vocês, meninas e moças de hoje, só vos ama quem vos oferece bens materiais, não é?», repreende uma tia depois de a sobrinha terminar o relacionamento de mais de dois anos com um rapaz que, segundo a tia, é «bem-comportado, estudioso e com um futuro promissor», no entanto, sem emprego.
A sobrinha entende que os namorados devem “ajudar” as namoradas, dando-lhes presentes, mimos, telefones e uma espécie de “mesada”, para que estas estejam sempre bem-apresentadas para eles.
«Eu sei, tia, que ele me gosta, mas isso só não basta. Olha só para o meu telefone. Não consigo fazer fotos nem sequer entrar no Facebook. Quando ele acabar os estudos para me poder ajudar, já eu estou bem velha», diz a sobrinha. «Ele tem de desenrascar como os outros fazem», reforça.
«Minha filha, ouve a voz da experiência. Homens para namorar há muitos. Mas que te gostam de verdade e que te assumem, tenho muitas dúvidas. Este te gosta mesmo», lembra.
No rol de conselhos de «vozes da experiência e de convivências» algo chamou a minha atenção: «ele me gosta», «…que te gostam de verdade»…
Parece não ser bem assim. Nem sempre quem diz que nos gosta é necessariamente a nossa melhor opção. O verbo gostar exige, logo a seguir, a preposição de, o que o torna um verbo diferente de amar, que não exige qualquer preposição.
Gostar é sempre seguido de de, devendo-se, por isso, dizer «ele gosta de mim» (e não "ele me gosta"), «este gosta mesmo de ti», (e não "este te gosta mesmo").
Não se gosta só, mas gosta-se de alguma coisa. E é muito simples resolver. Não costumamos dizer, por exemplo, “gosto banana”, ou “não gosto falar em público”, mas dizemos, correctamente, “gosto de banana” e “não gosto de falar em público”. Do mesmo modo que se deveria perguntar: «Assim ele não gosta de ti, não é?»
texto publicado no semanário luandense Nova Gazeta, no dia 17 de julho de 2014, na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.