Como qualquer outro consulente, Miguel R. Magalhães tem todo o direito a discordar ou a opinar o que quer que seja sobre Ciberdúvidas. No caso em apreço, e tendo sido eu a assinar essa opinião muito pessoal num Pelourinho a que, propositadamente, intitulei O capitulacionismo à NATO, só tenho que agradecer-lhe a atenção dada a esse meu texto. E, se me permite, fico-lhe grato, também, por me dar a oportunidade de acrescentar mais dois ou três argumentos à minha sustentação inicial.
O primeiro deles é um esclarecimento em jeito de rectificação. Não são só os espanhóis que usam OTAN em vez de NATO (isto é, a sigla correspondente ao nome da organização na língua nacional respectiva e não em inglês). É, de resto, um princípio generalizado nos meios de informação de todo o mundo: traduzir, por regra, para o idioma oficial o nome e a respectiva sigla, seja ela em inglês ou não.
É um princípio seguido em França (veja-se os jornais "Le Monde", "Libération", etc.) e na Bélgica ("Le Soir", por exemplo), no campo da francofonia. Ou, do lado lusófono, toda a imprensa brasileira, bem como os angolanos.
Em Portugal, também convirá esclarecer, nem todos se deixaram ir na onda anglófona que nos coloca sistematicamente de cócoras perante o inglês, trocando todo e qualquer termo já consagrado na nossa língua pelo que se começou entretanto a ouvir na CNN ou directamente do Pentágono.
Miguel R. Magalhães diz que os pró-aportuguesamento da sigla inglesa só tiveram «como único resultado palpável»[da sua acção]«uma constante oscilação entre NATO e OTAN em muitas publicações». Pois é exactamente ao contrário. Quem veio alterar o que estava instituído, e passou a falar e a escrever pela boca de um qualquer inglês ou norte-americano, é que impôs o anglicismo.
Muita gente, e gente conhecida, continua a dizer e a escrever como sempre se disse e se escreveu entre nós: OTAN, e não NATO. Muita gente e, pelo menos, um diário, o "Jornal de Notícias", por sinal, o de maior tiragem do país.
Nem se trata, pois, de "casticismo linguístico", como pode parecer, quando se nos compara aos espanhóis. Miguel R. Magalhães volta a estar enganado: historicamente, foi assim, com a tradução em português, que os portugueses passaram a conhecer e a chamar o que em inglês se designava NATO: OTAN, sigla de Organização do Atlântico Norte. Quantos leitores, ouvintes ou telespectadores portugueses sabem, ainda hoje, descodificar a palavra original em inglês?
Entramos, pois, no b-a-bá das regras da comunicação: os jornalistas, ou quem escreve ou se faz ouvir na rádio e na TV, devem ter uma linguagem acessível ao comum das pessoas a que se dirigem. Claro, tantos anos a darem voz à NATO, o nome mais complicado propagou-se, assentou arraiais e...adeus OTAN!
Como todas as regras, o uso das siglas dos nomes estrangeiros também comporta as suas excepções: elas passam, precisamente, pela consagração, "ab initio", do original. Entre muitos outros, são os casos que Miguel R. Magalhães refere: EFTA (European Trade Association), CIA (Central Intelligence Agency) e KGB (Komitet Gosudásrstvennoy Bezopásnosti, Comité de Segurança do Estado) – foi assim, sem tradução, que entraram para o domínio universal. Desde sempre.
Pelo contrário, em Portugal ninguém chama, nem nunca chamou, IBRD (International Bank of Reconstruction and Devolopment) ao BIRD (Banco Internacional para a Reconstrução e O Desenvolvimento, vulgo Banco Mundial); ou IMF (International Monetary Fund) ao FMI (Fundo Monetário Internacional); ou OPEC (Organization of Petroleum Exporting Countries) à OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo); ou PLO (Palestine Liberation Organization) ou à OLP (Organização de Libertação da Palestina); etc., etc.
Então porque é que o nome inglês NATO passou a sobrepor-se, em Portugal, ao nome português com que sempre foi conhecida a Aliança Atlântica entre nós?!
Foi só, e apenas, para chamar a atenção desta manifesta incongruência de critérios, chamemos-lhe assim, que escrevi esse Pelourinho. É que, no estado a que chegámos, por ordem e graça da chamada globalização mediática anglo-saxónica, a NATO veio para... ficar. A NATO e tantos outros estrangeirismos de todo dispensáveis na nossa língua. Uma língua viva evolui e enriquece-se com novas palavras, novos termos e novos conceitos se inexistentes, no vocabulário comum. Quando é só por modismo, preguiça ou ignorância, então, não, obrigado!
Por isso, na questão da sigla NATO, confesso, não posso deixar de estar mais de acordo com Miguel R. Magalhães. Se até o meu amigo João Carreira Bom, responsável principal pela existência de Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, se rendeu também à hegemonia anglófona da OTAN (1), que hipóteses me restariam, de facto, se me abalançasse a «terçar armas» contra uma "aliança" tão poderosa?!
Bato já em retirada...
(1) referência ao emprego da sigla NATO por João Carreira Bom, na sua coluna dominical do "Diário de Notícias", do dia 28 de Fevereiro p.p.