I
A recente polémica sobre o uso de holocausto entre aspas, para designar o extermínio de seis milhões de judeus na Alemanha nazi durante a II Guerra Mundial, repassou da política para a semântica. E naturalmente, já que é à luz desta que se podem separar denotações e conotações ou, se quisermos, distinguir designações com carga afectiva das que a não têm. Trata-se de saber se e quando podemos pôr holocausto entre aspas e, por outro lado, se e quando a palavra pode ser escrita com maiúscula inicial, porque não é indiferente, semanticamente, o uso de uma ou de outra forma.
II
Vamos por partes. Primeiro as aspas. Atentemos nas frases que se seguem:
1 - Ele falava com emoção de um tal «holocausto»;
2 - A palavra «holocausto» é hoje usada pelo homem da rua que a identifica com o extermínio nazi;
3 - Estão todos doidos: até já chamam «holocausto» a umas prisões e deportações de uns tantos judeus.
Que significam, qual é, realmente, o seu alcance?
Na frase 1, a pessoa que fala desconhece o que seja holocausto, a palavra não pertence à sua linguagem normal.
Na frase 2, pelo contrário, acentua-se o valor expressivo da palavra.
Na frase 3, temos o valor irónico, dado por alguém que não acredita, e pretende que o(s) seu(s) interlocutor(es) não acreditem, na existência de tal barbárie. (Devo dizer que não sei se foi este o valor dado à palavra no texto do sr. general Azeredo, pois não o li.)
São estas, na minha opinião, as situações em que holocausto pode vir entre aspas.
III
Vejamos agora a legitimidade do uso da maiúscula, dando à palavra o valor de acontecimento histórico.
Primitivamente, holocausto significava imolação de uma vítima pelo fogo, até à sua consumição total. A evolução semântica permitiu o seu uso figurado, passando a significar sacrifício, expiação, entrega.
Os judeus estenderam, finalmente, o termo à designação da hecatombe perpetrada pelos nazis, durante a II Guerra Mundial, que exterminou «minorias» imensas ( judeus, ciganos, eslavos, homossexuais, doentes mentais, deficientes físicos), imolando-as no altar do satã da demência racista.
É este o sentido que hoje lhe é mais frequentemente atribuído, justificando-se ser grafado com maiúscula, por se tratar de um facto importante na evolução da História contemporânea, tal como os Descobrimentos e a Diáspora o foram na História moderna e antiga.
A este processo de enriquecimento vocabular pela mudança de classe gramatical das palavras - no caso, de substantivo comum a substantivo próprio - dá-se o nome de derivação imprópria. Aconteceu o mesmo com os apelidos Pereira, Coelho ou Ganhão...
Em conclusão, quando nos referimos aos factos a que deu nome nos campos de concentração de Adolfo Hitler, escrevamos Holocausto. Com maiúscula.