Num momento em que a Europa perde relevância a favor de novas potências como a Índia ou a China, resta-lhe sempre o pedigree conferido pela antiguidade e requinte da sua civilização e costumes. No caso português, e no que toca à língua, esse pedigree pode ver-se nas consoantes mudas, semelhantes a certas atitudes de cavalheirismo que, embora já não façam sentido, funcionam como um ornamento na lapela daqueles que as tomam. Já os brasileiros, mais práticos, não se preocupam tanto com essas subtilezas e preferem uma grafia próxima da oralidade.
Compreendo bem aqueles que se opõem ao novo acordo ortográfico e acho louvável virem defender a língua numa altura em que ela assume formas cada vez mais degradadas. Mas esta resistência à mudança não fará lembrar certas famílias antigas e conservadoras que, com alguma vaidade — se não snobismo... —, teimam em escrever os seus apelidos (por hipótese Vasconcellos ou Athayde) segundo uma norma ortográfica em desuso?
Do ponto de vista estratégico o acordo é vital. A união faz a força e, se queremos ter uma língua forte, é bom que as regras sejam as mesmas para portugueses, brasileiros ou PALOP. Quando pode estar em jogo a sobrevivência do português, não podemos dar-nos ao luxo de correr riscos, muito menos por snobismo. E, com a redefinição do mapa geopolítico, o isolamento do ‘português de Portugal’ poderá fazer dele um mero ornamento na lapela e dos seus falantes (perdão, escritores) uma raça de ‘puros-sangues’ em vias de extinção.
in semanário Sol de 5 de Maio de 2008