Um dos mais conceituados linguistas portugueses, Malaca Casteleiro, acusou ontem Portugal de estar a entravar o acordo ortográfico com os países lusófonos por um “medo estúpido” do domínio do Brasil. O linguista, que tem participado nas tentativas de acordo da unificação ortográfica nos países de língua oficial portuguesa, fala mesmo num “cisma” entre Portugal e Brasil que “se arrasta há mais de um século e que prejudica a difusão da língua portuguesa”. “É maior do que a guerra dos cem anos”, ironizou, à margem do VI Congresso da Lusofonia, que começou ontem em Bragança, e que tem como tema central o acordo ortográfico e a variante brasileira da língua portuguesa. Segundo o linguista português, o Brasil – o maior falante da língua portuguesa – “tem muita vontade de implementar o acordo e Portugal não diz nada”.
“Eu creio que há aqui um medo estúpido de que o Brasil, através da ortografia, reconquiste os países africanos de língua portuguesa e os leve para o seu lado, o que é completamente descabido e mau para a língua portuguesa”, afirmou. Malaca Casteleiro entende que Portugal está a desperdiçar um potencial de quase duzentos milhões de falantes para a difusão da língua portuguesa no mundo, através de um país que, além do elevado número de habitantes, “tem uma literatura potentíssima, é um potentado económico e tem uma capacidade de difusão cultural magnífica”. Em vez do “receio deste domínio”, o linguista entende que Portugal devia aproveitar esta potencialidade e implementar, de uma vez por todas, um projecto de que há muito se fala no seio da CPLP (Comunidade de Países de Língua Portuguesa). O projecto, de acordo com Malaca Casteleiro, consiste no intercâmbio de alunos e professores, conferências e outras iniciativas culturais, um programa algo semelhante ao europeu Erasmus, mas que ainda não foi avante por “falta de recursos financeiros”. Malaca Casteleiro lembrou que Portugal ainda não ratificou a mais recente decisão sobre a escrita comum da língua, que permitiria a entrada em vigor do acordo ortográfico com apenas a ratificação de três países. Apenas o Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe ratificaram essa norma.
O impasse mantém-se e arrastou-se por todo o século XX, conforme recordou o linguista, lembrando que desde a reforma ortográfica da implantação da República, em 1911 que Portugal e Brasil tentam um acordo. Depois de várias tentativas em 1931, 1943, 1945, 1973 e 1986 para a convenção ortográfica Luso-Brasileira, em 1990 foi negociado e aprovado por todos os países de língua portuguesa, a nível político, um acordo que só foi ratificado pelos respectivos parlamentos de Portugal, Brasil e Cabo Verde. Em 2004, foi proposta uma norma que permitia que a entrada em vigor, desde que ratificado por apenas três países, mas a referida norma ainda não foi aprovada por Portugal, tendo apenas o aval do Brasil, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe. “Falta de vontade política” é também o que entende o linguista brasileiro Evanildo Bechara, outro dos convidados do Congresso da Lusofonia em Bragança. Apesar de tudo, Bechara não acredita que “haja uma desvinculação da variante brasileira do português, que a futurologia prevê para o século XXI”. Esta possibilidade foi levantada no congresso e surpreendeu o especialista porque – diz “não é essa a visão do brasileiro”. Acredita e defende uma unificação ortográfica da língua, em que cada país falante mantenha as suas variantes. Chegou o momento, disse, de Portugal e o Brasil se sentarem numa mesa e discutirem um futuro comum da língua portuguesa”. Sustentou ainda que o português “só não corre riscos perante a globalização se os países se consciencializarem da sua importância”. “Cada país continuará com os seus particularismos linguísticos, mas na hora de escrever, escreverão de uma só maneira, como acontece com o francês, o espanhol ou o árabe”, frisou.
in O Primeiro de Janeiro, de 4 de Outubro de 2007