«O AO é, desde o seu início, uma enorme ilusão e um gigantesco erro» – afirmou a direção editorial do jornal Público no mesmo dia em que o parlamento português discutiu três projetos de resolução apresentados por diferentes grupos de deputados na sequência de uma petição pública para desvinculação de Portugal do Acordo Ortográfico (foi aprovado o projeto de resolução 890/XII ).
Em Portugal, quando se quer adiar uma discussão, cria-se um grupo de trabalho. Ou sugere-se um referendo. Se esta foi a “solução” tentada no caso da co-adopção (apesar dos muitos meses gastos no Parlamento a trabalhar o tema na especialidade), a que hoje se prefigura no caso do acordo ortográfico (AO) passa pela primeira opção. Isto apesar de se terem ocupado, também, muitos meses em consultas e audições parlamentares e ter sido feito, na sequência de tais trabalhos, um relatório.
Simplesmente, quando chega a hora da decisão, não há decisão alguma. Na frente dos deputados estarão, hoje, quatro propostas de resolução. Uma, desassombrada, invocando razões legais e outras, parte de uma petição de cidadãos e propõe a desvinculação do AO ou, no mínimo, a retirada do conversor Lince, argumentando que este viola as bases do próprio AO; a segunda é dos deputados Ribeiro e Castro, Michael Seufert e Mota Amaral e propõe o tal grupo de trabalho que «faça o ponto da situação», apresentado num prazo de quatro meses «um relatório objectivo e factual» da aplicação do AO; a terceira é do PCP, propondo que se alargue o prazo até 31 de Dezembro de 2016 e que Portugal se desvincule do AO nessa data se não houver um acordo «comummente aceite», ou seja, se não for aceite por «todos os países» de Língua Portuguesa; e finalmente o BE propõe a «revisão técnica» do AO e conclui que, «se não houver uma aplicação plena da parte brasileira, Portugal não pode ficar preso a uma grafia singular e individual».
Ora aqui reside o erro: mesmo que no Brasil haja aplicação plena, já hoje, Portugal fica para sempre preso a uma grafia singular e individual porque se deu ao trabalho de a inventar. Se a ortografia era diferente nos dois países, continua a sê-lo. Mas agora com muitas “facultatividades” e erros de palmatória. O AO é, desde o seu início, uma enorme ilusão e um gigantesco erro. À falta de coragem para lhe pôr termo, estamos condenados a ver arrastar, penosamente, o seu cadáver adiado.
Cf. Reações e sínteses noticiosas sobre a Resolução 890/XII/3.ª
Editorial publicado em 28/02/2014 no jornal Público.