1 - Frederico Leal nunca disse, de facto, que era tradutor. "Mea culpa", extensível aos tradutores - que, até por razões de ofício, sabem que nesta questão da equivalência do bilião toda a prudência é devida. Precisamente porque lidam todos as dias com o divergente sentido das duas ordenações, mesmo em países como em Portugal onde o bilião é = 1 milhão de milhões, isto é, 10 elevado a 12.
Basta só ler os jornais, dar uma vista de olhos pelos relatórios das estatísticas ou, até mesmo, os de origem universitária. Ou confrontar, mesmo, dicionaristas da craveira de José Pedro Machado: para ele o bilião continua a ter o sentido de mil milhões.
Por isso, continuo a dizer o que escrevi desde a primeira resposta a esta questão: cuidado, muito cuidado, sempre, com os números de muitos zeros despejados via comunicação social; são sempre de desconfiar.
(Um exemplo bem actual, a fortuna de Mobutu Sese Seko: 4 biliões de dólares, como revelava o jornal britânico "Financial Times", ou 4 mil milhões, como veio na imprensa portuguesa e francesa? Já se comparou a diferença disto, na conversão para escudos ou francos, por exemplo?)
2 - Quanto a França, reconheço que errei, ao citar o que dizem Edite Estrela e J.David Pinto Correia, no seu Guia Essencial da Língua Portuguesa para a Comunicação Social: «A ordenação americana e francesa considera um bilião equivalente a mil milhões.» Não é assim, mas também não é bem o que sustenta Frederico Leal, na sua petulante argumentação.
A teoria das recomendações científicas (vê-se, até, pelo caso português) é uma coisa e outra é o uso - bem diferente - que delas se faz. E em matéria linguística, nisto como no resto, pouco vale o que se convenciona em normas se não houver correspondência nos seus mais directos utilizadores. Veja-se o outro caso da forma tradicional portuguesa da datação e o que, inglória e insensatamente, propõem os eurocratas de Bruxelas (cf. 5/5/1997 ou 1997.05.05 e Datas).
3 - Frederico Leal manda-me ser inteligente - e indagar directamente os interessados. Ele fica-se, porém, pelas citações balofas e avulsas - ainda por cima transcritas só em parte, isto é, para justificar apenas o que lhe interessa. Com atraso ou não de 50 anos, os dicionários franceses mais recentes dão sem dúvida do bilião o significado comum na generalidade da Europa: 1 milhão de milhões. Mas também registam a acepção mais antiga dos mil milhões.
Tão «fora de uso», imagine-se, que, por exemplo, o Nouveau Petit Robert (ed. 1993) ou o Dicionário Hachette (ed. 1988), pura e simplesmente, aconselham a evitar o termo billion: «... en raison des risques de confusion entre les nouvelles e les anciennes acceptions, encore en usage...»
4 - É que, se Frederico Leal não se ficasse pela conversa fiada e pelas leituras da banda desenhada, ia mesmo fazer o que me mandou fazer a mim. E ia inquirir, como eu o fiz, como procedem os utilizadores da língua francesa. No seu próprio país como no estrangeiro. Confirmaria, então, que, de uma forma genérica, eles todos adoptam - sob a designação de «milliard» - a ordenação americana do bilião (mil milhões). Por exemplo:
a) No ensino e na cultura: caso da Alliance Française ou do Instituto Franco-Português, em Lisboa;
b) Na imprensa, como faz parte do livro de estilo da agência France Presse ou da rádio pública France Inter, em Lisboa e em Paris;
c) Em qualquer Embaixada francesa, de Portugal à Cochinchina.
5 - Em conclusão: reciclar por reciclar, recicle-se antes o próprio bilião. É o que fizeram os franceses. Substituíram-no pelo «milliard», à americana, pura e simplesmente. E também não será má ideia que - quando se dirigir a Ciberdúvidas, e muito em especial quando se referir a estudiosos como o professor Fernando Venâncio Peixoto da Fonseca, que dedicaram uma vida inteira ao ensino e à investigação da Língua Portuguesa - Frederico Leal recicle expressões em que os compara ao «Pato Donald». Se regressássemos à adolescência, responder-lhe-íamos na mesma moeda. Mas não é isso o que nos interessa.
Cf. Milhões, Mil milhões, Biliões ou Triliões? Esclareça a confusão!