José Neves Henriques começou por considerar desnecessário o neologismo "deslocalizar". Respondeu, contrariando-o o consulente A. Mendes da Costa com este texto – que, no entanto, mereceu a discordância de Amílcar Caffé com o texto Contra a «deslocalização».
Julgo que a discussão sobre o termo deslocalizar (aqui no Ciberdúvidas, in Respostas Anteriores), pois de um termo se trata e não de uma simples palavra - tem falhado exactamente pela ausência da perspectiva terminológica.
A palavra está bem construída, como já foi dito e repetido, e é, não digo necessária, mas útil, mesmo que não esteja em nenhum dicionário. Que seria da língua se estivéssemos à espera da legitimação dicionarística (será que este adjectivo está no dicionário?) para nos exprimirmos! E é útil porque o conceito bem específico e bem definido em Economia que lhe está associado não pode tão facilmente ser expresso com precisão e sem ambiguidade pelas palavras comuns apresentadas como alternativa.
Assim como uma "empresa de mudanças" não pode, sem risco de total incompreensão, anunciar-se como empresa de transferências ou de deslocações, da mesma forma a chamada deslocalização não pode acudir por qualquer nome.
A deslocalização insere-se num processo de mundialização (ou de globalização se preferirem) da economia e não é de facto uma transferência neutra das actividades de uma empresa de um lugar para outro e nem sequer é induzida pela abertura de novos mercados. É sim uma deslocação estratégica na busca de ganhos através da diminuição dos custos de produção ligada a salários mais baixos, benefícios fiscais, menor grau de exigências em termos de protecção do ambiente, etc...
Como vemos, podemos descrever o fenómeno recorrendo a palavras como "transferência" ou "deslocação" ou ainda "mudança" ou "passagem" mas ao utilizarmos qualquer delas como termo denominativo duvido que saibamos do que estamos a falar.
Perguntar-se-á, no entanto, porquê ir buscar deslocalização em vez de enventualmente reciclar ou reconverter um dos vocábulos correntes ou inventar um outro. Há quem tenha proposto, por exemplo, relocalização que mais não é que a mesma palavra de base numa outra perspectiva, a meu ver menos expressiva no contexto em que a noção se desenvolveu e vulgarizou (concorrência internacional, competitividade, política económica e particularmente política de emprego).
Neste contexto é o aspecto da "saída" de um lugar, de uma região ou de um país, muitas vezes sentida negativamente e como problema, que predomina em relação ao da "chegada" ou da "instalação".
Mas para além da "capacidade" intrínseca dos eventuais concorrentes ao termo há um outro elemento a ter em conta que é o fenómeno da comunicação interlinguística e o facto de muitos dos termos para as novas noções e realidades nos chegarem através de outras línguas, principalmente o inglês e em menor escala o francês.
De notar, neste caso, que, em inglês, ao contrário do que acontece em francês, a terminologia não está claramente fixada encontrando-se na literatura "delocalization", "relocation" e variadas perífrases construídas à volta de termos como "migration","transfer" ou "displacement".
De qualquer modo, a partir do momento em que "deslocalização" é um termo linguisticamente correcto, motivado, isto é, que facilmente se carrega de significado a partir da língua corrente, capaz de conservar as suas potencialidades de comunicação interlinguística, nomeadamente entre as línguas latinas (FR-délocalisation, ES-deslocalización, IT-delocalizzazione), é utilizado e reconhecido na área de especialidade a que pertence e ainda por cima se pode considerar como praticamente unívoco, que mais queremos nós para vermos nele o termo "quase perfeito"?