Nesta época do ano, são muitos aqueles que se entretêm no corte e costura de máscaras ou no convívio proporcionado pelas inúmeras festas de Carnaval quer seja neste cantinho à beira-mar plantado que é Portugal quer seja no outro lado do oceano no colossal Brasil. Aliás, no Brasil, diz-se que o ano só começa depois do Carnaval. Não fosse a festa do Rio de Janeiro uma das celebrações carnavalescas mais célebres do mundo. Contudo, purpurinas e serpentinas à parte, o que nos diz a lexicologia sobre a palavra Carnaval e outras tantas que gravitam em seu torno?
De acordo com a grande maioria dos dicionários, como, por exemplo, o Dicionário da Língua Portuguesa da Academia das Ciências de Lisboa (DLPACL), o termo Carnaval, com inicial maiúscula, era usado para designar o «período de festas profanas, que, no mundo cristão medieval, se iniciava, geralmente, no dia de Reis, a Epifania, e se estendia até Quarta-Feira de Cinzas, dia em que começava o tempo quaresmal, caracterizado pela abstinência de carne». Já nos dias de hoje, Carnaval, também gravado com inicial maiúscula, designa sobretudo «os três dias imediatamente anteriores a Quarta-Feira de Cinzas, em que têm lugar todo o tipo de diversões e folias com disfarces e máscaras» (DLPACL). Tendo em conta os excessos que são muitas vezes cometidos neste período, a palavra carnaval, gravada com inicial minúscula, pode ter um sentido figurado, quando se pretende descrever todo o tipo de situações associadas a festejos excessivos.
Quanto à origem deste termo, não existe consenso entre os etimólogos, no entanto, a grande maioria dos dicionários na sua nota etimológica aponta para uma origem na expressão latina «carne, vale!», que significa «adeus, carne», remetendo assim para o início do período marcado pela abstinência de carne. Por outro lado, nas situações em que se refere tudo aquilo que é próprio da festa de Carnaval, o adjetivo frequentemente usado em português é carnavalesco. Neste sentido, os desfiles e festejos desta época devem ser designados por «desfiles carnavalescos» ou «festas carnavalescas».
Contudo, em algumas regiões de Portugal, a denominação da época do Carnaval é feita através de um outro termo. Leitores que sejam da região Norte ou Centro do país certamente saberão que às brincadeiras e festejos populares deste período se dá o nome de Entrudo. Com origem na palavra latina introĭtus, estas comemorações populares remontam a uma tradição antiga dos povos da Galiza (Norte de Espanha) e Portugal. A festa do Entrudo mais famosa será talvez a dos Caretos de Podence, tradição no qual grupos de rapazes desta aldeia transmontana vestidos com fatos coloridos e chocalhos andam atrás das raparigas.
E o que seria do Carnaval sem máscaras? Esta palavra que terá chegado ao português através do italiano antigo mascara, terá provavelmente a sua origem, como assinala o DLPACL, no vocábulo árabe masjara, que significa «figura ridícula». Embora seja um vocábulo muito associado à época carnavalesca, uma vez que descreve objetos feitos com diversos materiais com o intuito de disfarçar a pessoa que o põe, o termo máscara pode também ter um sentido mais figurado e que está inclusive presente em algumas expressões da língua como: «deixar cair a máscara», utilizada em contextos que se refere que alguém deixa de dissimular ou mostra-se tal como é, ou ainda «arrancar a máscara a alguém», refente à denúncia ou dissimulação de alguém.
Concluindo, curiosidades linguísticas como estas espelham bem o impacto que algumas das tradições mais importantes da humanidade têm nas línguas. Pois por mais sombrios que os tempos sejam, é importante recordar que todos nós temos direito a momentos de folia e festejo, tal como canta Chico Buarque, em Vai Passar: «E um dia afinal / Tinham direito a uma alegria fugaz / Uma ofegante epidemia / Que se chamava Carnaval».