Na semana passada, a revista norte-americana The Atlantic publicou um interessante artigo sobre os estudantes das universidades de elite norte-americana que chegam aos cursos de literatura pouco dotados para ler e interpretar obras complexas. Neste texto, intitulado "The elite college students who can’t read books", vários professores de universidades de prestígio nos Estados Unidos como, por exemplo, a Universidade de Colúmbia (Nova Iorque), dão conta da sua frustração por uma grande parte dos seus estudantes dos cursos de literatura não serem capazes de completar a leitura e até discutir criticamente os livros presentes na lista de leituras obrigatórias da disciplina. Já no caso português, os resultados obtidos nos testes PISA 2022 revelaram que, em relação à última edição realizada em 2018, os estudantes portugueses pioraram o seu desempenho na prova de leitura. Segundo o relatório divulgado, apenas 5% dos alunos portugueses submetidos ao PISA demonstraram capacidade de compreender textos bastante longos, percebendo conceitos abstratos e sendo capazes de distinguir factos de opinião. Por outro lado, os últimos dados revelados pela Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL) indicam que se vendem cada vez mais livros em Portugal e que os jovens são os principais responsáveis por isso. Apesar de existirem algumas contradições, informações como estas levantam a dúvida: será a minha geração menos capaz de ler e discutir criticamente um livro quando comparada com as gerações anteriores?
Há dez anos, durante a frequência do meu primeiro ano da licenciatura em português na Universidade de Coimbra, recordo-me que entre os alunos se comentava que a cadeira mais desafiante do semestre era Introdução aos Estudos Literários. Não porque os professores fossem inacessíveis ou as suas explicações sobre determinado tópico inalcançáveis, mas antes porque muitos sentiam dificuldades em serem capazes de completar a leitura dos textos obrigatórios e de os analisar de forma crítica. Vários colegas meus justificavam este fracasso pelo pouco prazer que tinham em ler esses textos. O que faz levantar a questão: serão a leitura de um bom texto e a alegria incompatíveis?
É verdade que a leitura pode e deve ser entendida como uma atividade de lazer que não está diretamente relacionada com uma tarefa escolar ou de aprendizagem de um determinado assunto. Em grande medida, a leitura deveria constituir uma escolha voluntária, que muitas vezes está associada à procura de uma satisfação pessoal. Contudo, quando esta atividade se traduz numa obrigação, pode acabar por ser penosa e aborrecida. Por esta razão, muitos jovens não conseguem terminar a leitura de um clássico, obra que se carateriza por uma narrativa profunda e complexa, uma vez que esta lhes soa a dever e não tanto a prazer, o que conduz a que muitos sejam incapazes de passar da primeira página. Por outro lado, ler este tipo de livros pode ser uma tarefa que, do ponto de vista mental, é complicada, já que exige um tipo de reflexão e compreensão que vai para além do que é documentado nas redes sociais. Para além disso, todos sabem que muitas vezes não é necessário ler o livro para se conseguir ser bem-sucedido na prova onde a sua leitura será avaliada.
No entanto, a capacidade de encontrar prazer na leitura de um clássico não é impossível para um jovem, até porque um livro nunca se julga pela capa e por aquilo que dizem sobre ele. A este propósito, lembro-me de, também na faculdade, ter de ler a obra Viagens na Minha Terra, de Almeida Garrett, para uma aula dedicada à literatura portuguesa do romantismo. Inicialmente, tendo em conta a minha experiência no estudo de textos desta época no ensino secundário, achei de imediato que seria uma tarefa difícil para mim, já que se tratava de uma obra que julgava ter pouco a ver comigo. Surpreendentemente, Viagens na Minha Terra tornou-se dos livros que mais gostei de ler, acabando inclusive por ser a obra que mais prazer me deu ler e estudar durante o meu percurso académico.
Porém, livros como este não se encontram muito facilmente nas sugestões de comunidades de leitores presentes em redes sociais como o Instagram e o TikTok, espaços onde muitos jovens procuram sugestões de leitura e se encontram para discutir livros. Aliás, segundo a APEL, são grupos como estes de partilhas de leitura nas redes sociais que têm impulsionado o crescimento na venda de livros em Portugal. Todavia, comprar muitos livros não é sinónimo de ler muito. E embora os jovens portugueses sejam uns dos grandes impulsionadores do mercado editorial neste momento, não significa que as suas capacidades de compreender um livro e olhar para ele criticamente estejam melhores ou piores em relação as das gerações que os procederam. Existe é talvez, devido às vicissitudes dos tempos, uma nova forma de comunicar e olhar para aquilo que se lê. Críticos desta nova forma de pensar e compreender a literatura acusam muitas vezes a minha geração de optar por leituras que não são consideradas de qualidade. Por outras palavras, há quem considere que são poucos os jovens que leem bons autores e bons livros, limitando-se apenas a ler obras da designada literatura de cordel ou literatura cor-de-rosa. Analisando os tops de vendas das mais famosas livrarias em Portugal, encontramos frequentemente obras pensadas para um grande público, mas cujo estilo de escrita e narrativa apelam pouco à reflexão sobre o funcionamento da língua e do mundo que nos rodeia.
Perante esta realidade, podemos assumir que não é tanto o prazer por ler que tem afastado os jovens dos clássicos e dos livros considerados bons pela crítica literária, já que muitos gostam de comprar livros e falar sobre eles nas redes sociais. Porém, a questão que se calhar vale a pena discutir e refletir é: o que falta fazer para que os jovens se apaixonem pelos clássicos e pelos bons livros e queiram, sem que ninguém o imponha, lê-los?