4. A recolha dos dados
A recolha dos dados foi feita através de colegas sobretudo da área de Língua Portuguesa, ex-alunos, mas também, por colegas de outras áreas que facilitaram a ligação com colegas de escolas com as quais não tínhamos facilidade de contacto. Após a colocação dos questionários nos estabelecimentos de ensino, o processo seguido foi a apresentação de um exemplar aos professores de Língua Portuguesa, os que eram dirigidos a estes, no dia da reunião de coordenação, por ser uma oportunidade de todos se reunirem para discutirem os conteúdos a ministrar durante a semana. E, no caso dos alunos, foi aplicado durante uma aula para facilitar o processo de recolha.
A aplicação dos inquéritos aos professores foi feita em quatro escolas na cidade da Praia e em três no interior, sendo todas elas situadas na ilha de Santiago. Foram recolhidos 59 inquéritos, mas apenas 50 foram considerados como foco de análise neste trabalho.
Os alunos inquiridos foram também mais de 50, sendo um grupo de uma escola sita na cidade da Praia e outro de uma no interior. Os inquéritos foram aplicados no início do mês de maio deste ano e recebidos, gradualmente, submetidos a tratamento e introduzidos no computador.
4.1. Apresentação e interpretação dos resultados
Procuramos fazer, aqui, uma análise univariada, com especial ênfase para o nível descritivo, com a utilização do parâmetro como a frequência absoluta.
Ao observarmos os dados relativos ao sexo dos inquiridos, podemos perceber que a distribuição do sexo alunos/professores é basicamente a mesma, o que confirma os dados do censo populacional que aponta para um maior número de indivíduos do sexo feminino.
A maioria dos professores está na faixa etária entre os 36 e 50 anos, e a maioria dos alunos tem entre 17 a 20 anos, o que nos permite inferir que a diferença de idade entre alunos e professores não é muito grande e justifica a aproximação dos resultados em termos de posicionamento em determinadas matérias.
A maioria dos professores tem a licenciatura, confirmando, assim, que a preocupação do Governo em investir na formação dos professores e evitar a sua colocação quando não têm a necessária preparação didático-pedagógica é uma realidade nas escolas que colaboraram neste estudo.
A distribuição dos alunos por ano de escolaridade que responderam ao nosso questionário é praticamente equitativa conforme propusemos. São alunos que se encontram no final do 3.º ciclo, Ensino Secundário, ou seja, são pré-universitários e que considerámos terem alguma maturidade e noção sobre as questões aqui levantadas.
A maioria dos professores tem entre 11 e 25 anos de serviço, o que nos permite inferir que o seu tempo de serviço, as influências socioculturais e a cristalização de determinadas práticas podem ter algum peso e de alguma forma influenciar a representação sobre a língua de ensino. Ainda, foi nossa preocupação saber qual a ocupação dos pais, para melhor percebermos se esta tem ou não alguma influência na representação sobre a língua portuguesa.
Das respostas obtidas foi possível perceber que em relação aos progenitores do sexo masculino: 3 são professores e 3 polícias; 4 pedreiros e 4 motoristas, mas também há carpinteiros, pintores, ajudantes (ajudam a preencher a lotação dos carros que fazem carreiras interurbanas), militares, médico, fiscal, comerciante, guarda (pode ser prisional ou alguém que faz segurança privada ou nas empresas). Quanto à profissão das mães, varia desde domésticas (20, a maioria), 3 professoras, 3 vendedeiras, depois aparecem isoladamente contabilista, empregada doméstica, ajudante de serviços gerais, engenheira, geógrafa, psicopedagoga, secretária, cuidadora. Houve 5 inquiridos que não responderam, 4 não indicaram a ocupação do pai que pode estar associado ao não reconhecimento da paternidade, muito frequente na sociedade cabo-verdiana. Entretanto, o curioso é que filhos cuja ocupação dos pais de maneira alguma apontaria para uma ligação tão forte à língua portuguesa como carpinteiro e vendedeira, motorista e funcionário público, fiscal e doméstica, pedreiro e doméstica, ou ambos sem ocupação fora do lar falariam português em casa. Portanto, essas respostas podem ser interpretadas de muitas maneiras. Não seria preconceituoso afirmar que a ligação com a língua cabo-verdiana é tão vincada que dificilmente esses pais falariam em casa o português. Assim, temos um total de 9 alunos, na tabela a seguir, que falam português na escola e em casa, mas que vêm de um contexto familiar que diríamos improvável.
Parte B - Relação com a língua
Assim como a maioria dos professores o fizeram, os alunos confirmam também usar o português só na escola. Assim como os professores usavam a língua portuguesa, como alunos, e usam pontualmente no seu quotidiano, os alunos e todo o povo tem essa vivência fundamentalmente em língua cabo-verdiana.
Tanto a maioria dos alunos como a dos professores confirma interagir em português na sala e no pátio. Como professora, nunca me dirijo aos alunos em crioulo qualquer que seja o ambiente, porque aprendi que era a única pessoa que devia proporcionar aos meus alunos a oportunidade de treinar o português. Portanto, é possível que esses professores, que são da minha faixa etária, tenham esse hábito apesar da sua abertura à língua materna.
A esmagadora maioria dos alunos admite que entende tudo, mas os professores não têm esse entendimento. Se os professores pensarem em termos de tarefas e resultados na sua execução é possível que estejam certos, mas os cabo-verdianos, em termos de compreensão oral, mesmo os menos instruídos, são capazes de compreender o seu interlocutor e produzir, então, em resposta, na língua materna.
A maioria tanto dos alunos como dos professores admite que acontece algumas vezes. Essa abertura dos professores às políticas de valorização da língua materna através de diplomas e resoluções que têm surgido esporadicamente, mas sem um trabalho de fundo, tem causado alguma confusão aos alunos e aos próprios professores que em entrevistas televisas, seja para contestar, reivindicar ou mesmo falar de algo importante da vida escolar já não falam o português.
A esmagadora maioria dos professores afirma que não, e uma parte considerável de alunos diz que às vezes, mas também não se deve desprezar o número de professores que diz sentir dificuldades às vezes porque ao elencarem as dificuldades que têm na redação, admitem que este número não é real.
O número de professores que gostam muito e os que gostam está equitativo. E quanto aos alunos, uma parte considerável afirma que gosta e há um certo equilíbrio entre os que gostam muito e os que gostam mais ou menos.
A maioria dos alunos, pensa, reflete e escreve enquanto os professores dizem escrever, ler, reler e corrigir as falhas detetadas. O interessante é que nesta questão optaram, às vezes por mais do que uma opção e alguns escolheram a 2.ª e 3.ª opções em simultâneo. Entretanto, é de se referir que um número considerável de professores tem um procedimento semelhante ao do da maioria dos alunos.
A língua portuguesa é tanto para a maioria dos professores como para a maioria dos alunos uma importante ferramenta de comunicação e importante para o sucesso escolar e profissional e, em termos da sua importância em relação ao crioulo, tanto alunos como professores não deram especial atenção a esse facto.
Assim como os professores, os alunos não consideram o português uma língua sem utilidade para a nova geração. E quanto à questão que deu origem a este trabalho, nenhum professor assumiu que o português é uma língua de imposição política, o que nos leva a inferir que apesar do anonimato, nem sempre os inquiridos são totalmente sinceros e querem na maioria das vezes ser politicamente corretos nas suas posições.
Em relação aos alunos, apenas 6 de um total de 50 consideram que o português é uma língua de imposição política. A maioria reconhece a sua importância como ferramenta de comunicação e no sucesso escolar e profissional. Portanto, a utilidade e importância do português nos dias de hoje sobrepõe-se às questões históricas ou ideológicas.