Por língua materna entende-se o idioma que é adquirido nos primeiros anos de vida do falante em contexto familiar. Por conseguinte, quando a estudante do mestrado em Sociologia, Zenaida Soares, assinala que começou a usar o português «desde que nasc[eu]», está, na prática, a declarar que a língua portuguesa é o seu sistema linguístico materno, isto é, aquele em que aprendeu a socializar e que utiliza, na maior parte do tempo, para exprimir a sua visão do mundo e os seus sentimentos.
O ensino de uma língua materna apresenta desafios únicos, uma vez que o seu objetivo não está em transmitir ideias e conceitos totalmente novos a jovens estudantes, mas antes em transformar o conhecimento que estes têm do seu idioma nativo numa reflexão consciente sobre a sua organização e norma. Neste sentido, os três estudantes do Iscte que participaram nesta entrevista assumiram que o ensino formal que tiveram do português (língua materna dos três) foi-lhes útil na evolução da sua perceção linguística. O estudante do mestrado em gestão de empresas, Pedro Ramos, acrescenta inclusive que essa evolução foi bastante notória a partir do momento em que entrou na escola, mas sublinha que o incentivo dos pais em casa para um uso mais cuidadoso da língua também foi importante.
Porém, aprender a refletir sobre as estruturas e funcionamento da língua materna é um caminho sinuoso e com alguns obstáculos, sendo que, muitas vezes, a formalidade característica do ensino em sala de aula não se coaduna com a informalidade da utilização do idioma no contexto familiar. Jairo Júnior, estudante do doutoramento em Sociologia, admite justamente que a sua grande dificuldade na tomada de consciência do domínio da língua se prendeu com o facto de o português que até então usava ser extremamente informal. Isto poder-nos-á levar a questionar quais as formas e recursos mais apropriados a utilizar por um professor para que a formalidade da língua não seja um entrave à compreensão do seu funcionamento?
Pedro Ramos assegura que as leituras obrigatórias e os textos literários que estudou na escola foram fundamentais e acabaram por o influenciar e ajudar a evoluir na sua forma de falar e escrever, na medida em que, durante o processo de análise de muitos textos, foi ganhando consciência de um modo de expressão diferente daquele que muitas vezes usava no seu quotidiano. De facto, são muitos os que defendem que o texto é uma ótima ferramenta para apresentar a jovens falantes maneiras originais de usar a língua, sem, contudo, esquecer a sua norma e a adequação do discurso a diferentes contextos conversacionais.
Concluindo, através da experiência de aprendizagem do português como língua materna partilhada por estes três estudantes do Iscte, é evidente que o seu ensino não se deve centrar apenas na transmissão de regras, mas deve também ser um processo de transformação do conhecimento da língua em consciência crítica através do desenvolvimento de hábitos que fomentem a reflexão sobre a língua.