A classe dos adjetivos tem como missão central a atribuição de propriedades. Enquanto os nomes referem realidades, como acontece por exemplo com a palavra livro, os adjetivos que se lhes associam expressam qualidades: o livro passa a ser grande ou pequeno, preto ou azul, interessante ou enfadonho. O adjetivo adiciona atributos ao nome e estes permitem conhecer melhor a realidade referida ou até avaliá-la.
Sobretudo quando se colocam à direita do nome, os adjetivos têm a capacidade de restringir o campo de referência do nome. O nome livro sozinho refere qualquer obra composta por folhas que permitem a leitura, mas quando se coloca um adjetivo à sua direta, como vermelho, por exemplo, tudo muda. O sintagma «livro vermelho» exclui todos os outros livros de outras cores. O adjetivo aperta o escopo da significação. Todavia, quando colocados à esquerda do nome, os adjetivos podem já não restringir a significação, mas têm a capacidade de abrir caminhos de subjetividade. Por isso, um «homem terrível» é diferente de um «terrível homem». Se o primeiro é mau, o segundo podem nem ter maldade em si. Veja-se também como são diferentes um «funcionário alto» de um «alto funcionário». Os adjetivos abrem espaço à interpretação subjetiva, à cor da língua, ao sal da expressão.
Por essa razão, alguns poetas evitam os adjetivos. Porque estes fogem ao rigor do trabalho da língua, traem a objetividade do pensamento traduzida pelo nome.
O adjetivo é um filho rebelde, escapa, abre caminho a significações não pensadas. Descontrola-se e contamina o nome. Por isso é tão apetecível. Por isso é tão temido.
Áudio disponível aqui:
[AUDIO: Carla Marques_adjetivo]
Crónica incluída no programa Páginas de Português, na Antena 2, no dia 2 de outubro de 2022.