A iliteracia emoji - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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A iliteracia emoji
A iliteracia emoji
Os bonecos que nos calam

«Infelizmente há cada vez mais pessoas que usam os emojis em vez de palavras [...].»

 

Gosto de usar emojis porque complicam rapidamente as coisas que se podem dizer. Podem assinalar ambiguidade ou indecisão. Podem ser sarcásticos, abertamente falsos, sardónicos, melancólicos, irónicos ou só inexplicáveis.

Mas os emojis também precisam de ser lidos. É o jogo entre as palavras e os bonecos que suscita interpretação, que pede brincadeira ou subtileza ou cumplicidade por parte do destinatário.

Infelizmente há cada vez mais pessoas que usam os emojis em vez de palavras, encadeando-os em vez de escrever. Quando protesto, dizem-me que não sei ler emojis e que a minha geração tem um apego ternurento mas exagerado à palavra escrita.

Os emojis, para mais, são sempre os mesmos. É como se as letras do alfabeto estivessem sempre todas escritas na mesma caligrafia. A caligrafia dos emojis é irritante porque quer agradar a todos, quer ser gira a toda a força. É na ambição universalista que a mesquinhez se revela, procurando ter umas sandálias para gregos e outras para troianos.

À iliteracia emoji há a acrescentar outra igualmente venenosa. Aqueles bonequinhos insossos e certinhos, destituídos de qualquer originalidade ou rebeldia, também inibem o ímpeto para desenhar.

Há quanto tempo é que não vejo alguém a desenhar em público? Desenhar é um prazer imenso que desentope as curvas do cérebro. Um desenho rápido diverte e mostra muita coisa que as palavras são pródigas em esconder.

Usar emojis em vez de fazer desenhos – ou recortes, colagens, esboços – é usar os mesmos desenhos anódinos e industriais que toda a gente usa. A expressão dilui-se na uniformidade.

Os emojis acrescentam. Não substituem. Usá-los pode ir além da preguiça e prejudicar a nossa capacidade de comunicarmos uns com os outros, calando-nos.

Fonte

Crónica da edição de 7 de dezembro de 2021 do jornal Público.

Sobre o autor

Nasceu em Lisboa em 1955. É doutorado em Filosofia Política, pela Universidade de Manchester, Inglaterra. Desde 2009 escreve diariamente no Público e, em 2013, passou a ser autor da Porto Editora, a quem confia a obra inteira. Publicou entre outros: A causa das coisas (1986), O amor é fodido (1994), A vida inteira (1995), Explicações de Português (2001). Mais aqui.