«Será por arrastamento do inglês e dos seus verbos auxiliares ("Does Italy have...?")?»
Hoje é dia de festa: arranjei maneira de me meter com uma pessoa que sabe mais do que eu. Tenho de aproveitar. Não só não é todos os dias, como será a única oportunidade que vou ter de me meter com o sábio Jorge Almeida Fernandes (J.A.F).
Sabe sempre bem ferrar o dente na mão de quem nos deu de comer. No caso de Jorge Almeida Fernandes, aprendi tanto como desaprendi. Aquilo que ele nos diz sobre política internacional tem tanta leitura por trás que, depois de lermos o que escreve, já não conseguimos ler as análises menores a que estávamos tristemente habituados.
Meto-me com ele por uma questão de sintaxe. A prosa de J.A.F é clara como o pensamento dele, estando isenta de disfarces, enchidos ou muletas. Com ela não me posso meter. Meto-me, sim, com um título, até porque está na moda e ameaça implantar-se para sempre.
O título é Tem a Itália os políticos que merece? Odeio esta mania de pôr o verbo à frente. Claro que a nossa língua permite que o carro se ponha à frente dos bois. Mas fica esquisito. É muito melhor confiar inteiramente no ponto de interrogação: A Itália tem os políticos que merece?
Sabe Jorge Almeida Fernandes isto? Provavelmente.
Se quisermos mostrar logo que é uma pergunta – a maneira mais caricata de fazer isto é inverter um ponto de interrogação antes da pergunta, como fazem os espanhóis – usamos o velho será, que é sempre bonito:
Será que a Itália tem os políticos que merece?
Se insistirmos em pôr o verbo ter à cabeça, é pena mas, nesse caso, soa melhor Terá a Itália os políticos que merece? do que Tem a Itália os políticos que merece?
Será por arrastamento do inglês e dos seus verbos auxiliares (Does Italy have...?)?
Não interessa, é um péssimo hábito.
Um abraço do
Miguel
Crónica publicada no jornal Público do dia 6 de fevereiro de 2022.