Permito-me discordar de Frederico Leal e do professor José Neves Henriques, que consideram não portuguesa a estrutura da seguinte frase: «Uma nova revista, destinada aos tempos livres, apareceu nas bancas portuguesas, com rubricas como cinema, teatro, artes, livros, música, o habitual.»
Parece-me tão portuguesa esta frase na ordem directa («uma revista apareceu») como na ordem inversa («apareceu uma revista»).
Em português, predomina a ordem directa (sujeito + verbo + objecto directo + objecto indirecto; ou sujeito + verbo + predicativo). Mas à nossa língua está longe de repugnar a ordem inversa. De tal maneira que o uso consagrou expressões na ordem inversa que se tornaram exigência gramatical (por exemplo, nas orações interrogativas, nas que contêm uma forma verbal imperativa, etc., etc.).
Nos livros portugueses e brasileiros que consultei, todavia, nada vi que, do ponto de vista gramatical, exigisse a frase em causa na ordem inversa. É problema de ênfase e, portanto, de estilo. Como neste verso (sujeito + verbo): «Uma nuvem, que os ares escurece, sobre nossas cabeças aparece.» (Camões, "Os Lusíadas", V, 37, edição de F. S. Lencastre). Ou neste (sujeito + verbo): «Quando Mercúrio em sonhos lhe aparece.» (Camões, "Os Lusíadas", II, 61). Ou neste ainda (verbo + sujeito): «Eis aparecem logo em companhia uns pequenos batéis.» (Camões, "Os Lusíadas", I, 45).
De acordo com necessidades de ênfase ou de rima, Luís de Camões verteu e inverteu o melhor português de que há memória.
Frederico Leal também admite, no entanto, com o verbo aparecer, a ordem directa: se houver complemento circunstancial de tempo («a nova revista apareceu nas bancas a 20 de Janeiro»). Para facilitar a discussão, aceitemos, então, esta regra. Assim, a frase já não seria um anglicismo, se José Mário Costa tivesse acrescentado a data em que saíra a publicação: «Uma nova revista, destinada aos tempos livres, apareceu [imaginemos:] em 30 de Setembro nas bancas portuguesas, com rubricas como cinema, teatro, artes, livros, música, o habitual.»
Se lermos o texto com atenção, poderemos considerar que o complemento de tempo está subentendido. O autor sugere tratar-se de edição recente: «uma nova revista». Por isso, na eventualidade de desconhecer a data exacta da publicação, não acrescentou: «Uma nova revista (...) apareceu recentemente (...).» As palavras nova e recentemente, demasiado próximas, poderiam criar alguma redundância.
Portanto, mesmo aceitando a regra sugerida por Frederico Leal (aparecer + complemento circunstancial de tempo na ordem directa = frase portuguesa), podemos considerar portuguesa a estrutura da frase em causa.
E, pelo mesmo motivo, também é portuguesa a frase: «Um novo programa foi para o ar no canal televisivo português SIC, no passado 30 de Setembro.» Ou seja: foi para o ar, nesta acepção, significa apareceu. Dissipam-se, pois, quaisquer dúvidas: Frederico Leal admite a ordem directa com o verbo aparecer desde que exista complemento de tempo e, nesta frase de José Mário Costa, o complemento (30 de Setembro) está explícito.
Termino citando Celso Cunha e Lindley Cintra ("Nova Gramática do Português Contemporâneo", Sá da Costa, 13.ª edição, 166): embora em vários casos «a tendência da língua seja manifestamente pela inversão verbo + sujeito, em quase todos eles é possível - e perfeitamente correcta - a construção sujeito + verbo.»
Cf. contraponto desta controvérsia em Portugueses que preferem o inglês.