Celebrou-se a 30 de setembro o Dia Internacional da Tradução, instituído pela Resolução n.º 71/288 da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), de 24 de maio de 2017. O dia 30 de setembro foi escolhido por ser o dia de São Jerónimo (sécs. III-IV a. C), que é um dos 36 doutores da Igreja Católica e também o santo padroeiro dos tradutores.
No ponto 1 do texto da Resolução n.º 71/288 afirma-se que a tradução profissional, como negócio e como arte, desempenha um importante papel no apoio às propostas e princípios da ONU, unindo nações, facilitando o diálogo, a compreensão e a cooperação e contribuindo para o reforço da paz e da segurança mundial. Na página web da ONU sublinha-se ainda que a transposição de trabalho literário ou científico e técnico de uma língua para outra, i. e., a tradução profissional em sentido lato (incluindo tradução propriamente dita, interpretação e terminologia), é indispensável para preservar clareza, clima positivo e produtividade no discurso público internacional e na comunicação interpessoal.
A ONU, com seis línguas de trabalho (árabe, chinês, espanhol, francês, inglês, russo) e com intervenção em praticamente todas as áreas relevantes para as sociedades, constitui um dos maiores empregadores de profissionais da tradução em sentido lato. Também outras grandes organizações internacionais sustentam a sua atividade no trabalho destes profissionais; é o caso da União Europeia (UE), com os seus 27 Estados-membros e as suas 24 línguas oficiais. Nestes casos, a adoção de uma multiplicidade de línguas de trabalho e/ou oficiais valoriza o multilinguismo e a diversidade cultural dos seus membros e sustenta-se em alicerces ideológicos, visto, num caso e em outro, estarmos a falar de instituições que têm entre os seus alicerces constitutivos a necessidade e o desejo de contribuir para a preservação da paz mundial e europeia, respetivamente. Este tipo de solução linguística acarreta elevados custos para as organizações e há até quem defenda, sobretudo na UE, a adoção de uma língua de trabalho (o inglês, língua minoritária na União após o Brexit, representada por Irlanda e Malta), três ou quatro línguas (inglês, francês e alemão, incluindo ou não o espanhol).
Certamente existem organizações que não privilegiam uma abordagem tão diversificada à questão linguística: a NATO e a OCDE têm como línguas de trabalho o inglês e o francês; o Banco Mundial conta apenas com o inglês. Nestes casos, sendo o trabalho de tradução imprescindível ao acesso à informação, os custos inerentes serão suportados pelos Estados-membros, que necessitarão de transpor a documentação para as suas línguas próprias.
Mas a tradução não floresce apenas em ambiente de diálogo, cooperação e paz. Na guerra, desempenha um papel não menos crucial e nas últimas semanas fomos alertados para a importância do trabalho dos tradutores em situações de conflito. Ficou claro para o grande público o quanto o trabalho do tradutor é imprescindível em qualquer forma de contacto internacional em zonas de conflito e do quão perigoso pode ser o exercício da profissão.
O trabalho do tradutor nem sempre é devidamente respeitado e valorizado pelas sociedades, e muitos tradutores veem a sua atividade constantemente ameaçada pelo uso inadvertido de ferramentas de tradução automática em situações inapropriadas e pelo trabalho precário e mal remunerado, ainda que todos nós beneficiemos todos os dias do seu labor.
Artigo da linguista portuguesa Margarita Correia publicado no Diário de Noticias de 4 de outubro de 2021