«Há (..) palavras que, mal usadas, podem ser um autêntico embaraço à comunicação: podem causar equívocos e muitos dissabores nos nossos relacionamentos pessoais e profissionais.»
É raro o momento das nossas vidas em que estamos longe das palavras. Trocamos palavras com a nossa família, com amigos, com colegas no trabalho e até com desconhecidos. Falamos com os animais e, muitas vezes, sozinhos, verbalizando os nossos próprios pensamentos. Será que temos verdadeira consciência do poder que as palavras têm nas nossas vidas?
Ao contrário da conhecida frase «as palavras são como o vento», é minha profunda convicção de que as palavras não voam sem rumo nem propósito. Elas têm identidade, têm valor, têm um poder tremendo.
No [presente] artigo [vamos fazer] uma viagem pelo mundo admirável das palavras.
PALAVRAS GLAMOROSAS
Há palavras que vestem Prada, que emanam o doce aroma de um Jean Paul Gaultier e que nos seduzem por completo. Falo sobretudo dos estrangeirismos, que chegaram, viram e venceram. Muito mais do que por necessidade linguística, usamos palavras estrangeiras por moda, vaidade e prestígio social. Confesso que há mais encanto (ou glamour!), em dizer CEO em vez de diretor-geral, spa em vez de termas, resort em vez de estância, barbecue em vez de churrasco!!
Os estrangeirismos trazem impacto e beleza ao discurso, é certo, mas o seu uso excessivo pode ser um autêntico atropelo à comunicação.
PALAVRAS SOMBRIAS
Atropelo à comunicação são também as palavras desconhecidas e de difícil compreensão. Porquê obstaculizar, em vez de complicar? Agudizar, em vez de piorar? Rececionar, em vez de receber, inviabilização, em vez de impedimento?
Palavras difíceis, num e-mail comercial, por exemplo, podem ser o motivo para um potencial cliente perder o interesse em conhecer o produto ou o serviço de uma empresa. Se o cliente tropeça em duas ou três palavras que não conhece, desiste de ler. Não leu, ou leu e não compreendeu, não há negócio.
A comunicação não pode ser uma difícil escalada no Everest. Tem, sim, de fluir como um rio!
PALAVRAS ILUSÓRIAS
Há também palavras que, mal usadas, podem ser um autêntico embaraço à comunicação: podem causar equívocos e muitos dissabores nos nossos relacionamentos pessoais e profissionais. Se, por exemplo, no restaurante eu pedir uma fatura "descriminada", em vez de discriminada, estou a dizer que a fatura foi absolvida de um crime que terá cometido (o verbo descriminar é o contrário de incriminar). Ou se disser que «foi um objeto na via que despoletou o acidente», estarei a dizer o contrário do que pretendo, já que despoletar é o mesmo que anular, travar. Para não falar do clássico «Esperamos ir de encontro às vossas expectativas». Contra as expectativas?!
PALAVRAS COM NÓDOAS
Há ainda palavras que mancham a nossa imagem, que nos tiram credibilidade e podem fazer-nos perder, em poucos segundos, um relacionamento ou um bom negócio!
Por exemplo, uma rapariga poderá desistir de um jantar romântico, no momento em que o apaixonado lhe pergunta: «Já decidistes onde a gente vamos jantar?» (em lugar de decidiste]. Ou um candidato a um emprego poderá perdê-lo no instante em que diz «Enviarei-lhe o CV ainda hoje» [em lugar de enviar-lhe-ei]. E um órgão de comunicação social perderá certamente credibilidade se informar que «as pessoas "foram evacuadas" do edifício» (não se evacuam pessoas, apenas lugares).
PALAVRAS AFETUOSAS
Terminamos em beleza com as palavras que mimam, que confortam, que aquecem o coração.
Sabia que pode mudar o dia de alguém com uma calorosa saudação «Bom dia, como está»? Se queremos relacionamentos mais saudáveis e felizes, usemos e abusemos das palavras positivas na nossa vida: disponibilidade, compaixão, fidelidade, generosidade, gratidão, estima, amizade, amor… E não nos cansemos de elogiar. Palavras de louvor e honra trazem felicidade não só a quem as recebe mas também, e sobretudo, a quem as oferece.
Artigo da professora Sandra Duarte Tavares publicado em 21 de dezembro de 2020 na edição digital da revista Visão.