Um dos aspectos mais interessantes quando refletimos sobre as interações humanas é a polidez linguística, representada por uma grande diversidade de estratégias e recursos que os falantes utilizam para atingirem os seus objetivos comunicativos. Essas estratégias e recursos são de natureza linguística e também extralinguística, uma vez que entonação e altura de voz, gestos, movimentos e expressões faciais ajudam a compor a cena comunicativa.
A polidez linguística é, sobretudo, um fator cultural, especialmente se pensamos na língua e nas interações entre as pessoas como práticas sociais situadas, marcadas pela história, pela cultura e pela ideologia. Como nos diz o teólogo brasileiro Leonardo Boff, «Todo ponto de vista é a vista de um ponto. [...] Para compreender, é preciso conhecer o lugar social de quem olha» (BOFF, 2014)1. Então, a percepção dos falantes sobre o que é polido ou não dependerá sempre da sua interpretação sobre o mundo e sobre as pessoas com quem dialogam. É claro que, em todas as culturas e línguas, podemos reconhecer certas regras básicas de polidez linguística, mas mesmo estas são sempre atravessadas pelas experiências culturais dos falantes. Por isso, qualquer análise sobre os modos como em determinada língua-cultura as pessoas interagem deve investir-se de um esforço interpretativo, de modo a se evitar a reprodução de estereótipos e preconceitos infundados.
Trazendo essa discussão para o português, costumo perceber essa falta de compreensão quando ouço comentários de pessoas que afirmam serem os portugueses grosseiros em suas interações e os brasileiros redundantes e tortuosos, por exemplo. Certa feita, uma brasileira, em uma pequena tasca em Lisboa, perguntou ao garçom ou moço: «Por favor, no cardápio diz bife grelhado com batatas fritas e arroz, mas como é mesmo esse bife?» O homem, então, respondeu: «Ora, minha senhora, o bife é o bife, com batatas fritas e arroz, o que mais posso dizer-lhe?» Talvez, a senhora esperasse o rodeio enfeitado comum aos brasileiros, «um bifinho saboroso passado levemente na manteiga e adornado com batatas fritas sequinhas e um arroz soltinho». Engana-se, no entanto, quem confunda a diretividade nas interações e um certo recato dos portugueses como falta de polidez ou a redundância e exposição excessiva dos brasileiros como enrolação e pouca seriedade. Para interagir com outros, é necessário antes de tudo que o falante esteja disposto e aberto a compreender o que está além do que é dito, exercitando um modo de tradução cultural. A maior beleza de interagirmos em nossa própria língua está no fato de compreendermos o outro através de nós mesmos.
1 BOFF, Leonardo. A águia a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis-RJ: Vozes, 2014.
(Áudio disponível aqui.)
Texto da professora universitária brasileira Edleise Mendes, em crónica emitida no programa Páginas de Português, na Antena 2, do dia 30 de agosto de 2020.