Duas palavras emergiram no espaço mediático face às circunstâncias da morte brutal do afro-americano George Floyd, em Minneapolis, nos EUA: respirar e joelho.
Respirar vem do latim respirare, palavra derivada do verbo spirare, a que se acrescentou o sufico re-. Então, respirar significa repetir o ato de encher os pulmões de ar. E, neste caso, o prefixo re- não aponta para uma repetição isolada, mas para um ato que se repete vezes sem conta.
É por isso que respirar é também “ter vida” – «Ele ainda respira», dizemos nós. E significa também “desfrutar” – «Vamos respirar os prazeres da vida». Respirar é poesia.
Joelho é apenas uma peça mecânica, que corresponde à articulação da coxa com a perna. O joelho ajuda a caminhar, a suportar o peso.
Mas, houve um joelho que quis ser diferente. O joelho de um polícia quis impedir George Floyd de respirar. Até lhe tirar a vida. Até este dar o último suspiro, sem direito a voltar a encher os pulmões.
Um joelho assassino somado a alguém a quem se retirou o direito de respirar: este foi o preço da fama pago por Floyd, que inflamou as consciências e as levou a gritar que as vidas negras também têm direito a respirar, que nenhum joelho tem o direito de as sufocar. Este é um joelho que sufoca a América e o mundo.
Enquanto houver joelhos que querem ver os outros «de joelhos», a humilhação dos mais fracos continuará. Para que a mudança aconteça, temos todos de «cair de joelhos» e pedir perdão por alguém ter deixado um joelho achar que tinha o direito de esvair a poesia de alguém.
(Áudio disponível aqui)
Texto lido pela autora no programa Páginas de Português, emitido na Antena 2, no dia 14 de junho de 2020.